terça-feira, 29 de abril de 2008

Thiago Antunes, Noé Klabin e o SMD

Sim, temos agora um, digamos, “novo conceito” de reprodução musical – o Semi Metalic Disc (SMD). De acordo com o fabricante (http://www.portalsmd.com.br/), com a utilização da nova tecnologia 100% nacional, a semimetalização, é possível reduzir o preço de comercialização de um CD em quase 80%. Os custos de produção do SMD são mais baixos, com descontos progressivos, e sua fabricação é em média 30% mais barata que a do CD. São confeccionados nas mesmas fábricas dos CDs e tocam em qualquer aparelho, embora sua técnica de reprodução seja diferente da utilizada atualmente nos CDs, mas com a mesma qualidade de áudio. As embalagens de acrílico foram substituídas por uma embalagem mais econômica, em papel cartão especial, com fechamento que garante a integridade da mídia. A ficha técnica e os demais créditos podem ser impressos na própria capa ou no encarte, e a capacidade do produto é de até 60 minutos de áudio, mais que o suficiente para a maioria dos artistas. Detalhe: o SMD deve ser vendido a R$ 5,00, e o preço vem impresso na capa. O mesmo preço de um pirata mal ajambrado de camelô.

Levantamento expedito para 1.000 cópias mostra diferença de custo para o artista de até 3 vezes, ou seja, 1 CD industrial padrão = 3 SMDs, aproximadamente. Nada mal, hein? Quanto ao preço de venda, R$ 30,00 ou 40,00 contra R$ 5,00... sem comentários. Para um artista independente, o SMD pode ser a melhor escolha, não só pelo preço, mas também pela qualidade, e ambas superam aquela que seria a terceira opção – a fabricação em CD-R, atualmente muito utilizada para CDs-Demo.

Seria essa uma verdadeira Inovação Tecnológica, em um país que se contenta (bastante) apenas com (caras) Transferências de Tecnologia e se dá por satisfeito com isso? Longe de ser uma Pesquisa Básica universitária, o SMD nasce de Pesquisa Aplicada, rentável - e com um futuro brilhante? Chega, então, de CDs-Industriais-Padrão, com aquelas caixas de acrílico gordas e que se quebram com facilidade, e ainda ocupam mais lugar do que é necessário, dada a sua adiposidade lateral? Muitas perguntas. Os SMDs são, fisicamente, como vinis reduzidos às dimensões de um CD. São ótimos para divulgação e venda em shows, principalmente de novos artistas. Ocupam menos espaço, não quebram, são práticos, enfim, funcionam bem em (quase) todos os sentidos.

Quase? É, nem tudo são flores nesse jardim semimetálico. Aqui entra aquele velho problema, já detalhado no hit “Funga-Fuga”, que possui uma das mais interessantes letras da MPB: “Eu sou o Funga-Funga e sou um pouco diferente / mas não entendo por que todo mundo me olha como se eu não fosse gente ... (Marcos e Paulo Sérgio Valle) ... e segue perguntando o porquê das pessoas só gostarem daquilo que é déjà-vu “... mas parece que as pessoas, só gostam das coisas, que elas já viram, que elas conhecem, conhecem muito bem ...”. Uns e Outros cantaram isso também. Pessoas que vão a shows apenas de artistas que já conhecem. Batem palmas para músicas que já conhecem, felizes e orgulhosas por terem reconhecido a canção que já ouviram antes. Coisas do gênero. O que acontece – ainda – com o SMD, é o fato de algumas lojas se mostrarem desconfiadas com relação ao formato e ao preço (impresso na capa), recusando-se a vender o produto. Dizem que os consumidores “não compram”. Alguns selos independentes não podem lançar seus artistas no formato por esse motivo. Algumas pessoas que compram ou recebem o produto “novo” cobram um CD “padrão”, acham que o preço baixo ou a apresentação diferente passam a impressão de um produto semi-profissional. Acham que é um CD-Demo (e pode ser mesmo, ou não). Gente que se incomoda ao ouvir uma canção como “Funga-Funga” e vai a shows de bandas-cover. Mas não são todas as pessoas que pensam assim, e isso vai mudar, é apenas uma questão de tempo. O SMD não vai ser imposto, como foi o CD sobre o vinil, tem condições de vencer por si próprio. Melhor ainda, ele não quer vencer, quer apenas conviver em harmonia. Como o Funga-Funga.

(quanto à questão da necessidade ou não de mídia física, ver o post anterior de 25 de abril -“O Vôo das Baratas Tontas”. Mas isso é outra interminável discussão, que envolve conceitos avançados de previsão futurológica e utilização de Redes Neurais)

Dentre dezenas ou centenas de outros, dois compositores, um de São Paulo e outro do Rio de Janeiro, optaram pelo SMD após pesarem os prós e os contras – Thiago Antunes e Noé Klabin. (uma dúvida surge: posso chamar o SMD de CD? Ou não?)

Thiago Antunes



A história do CD/SMD começa em 2005, quando, junto com três amigos, Thiago Antunes (http://www.thiagoantunes.com.br/) grava um CD-Demo. A demo chega às mãos de Fernando Nunes, baixista e produtor que já trabalhou com Cássia Eller, Nando Reis e toca atualmente com Zeca Baleiro. Fernando aceita o convite para produzir um novo CD e, em novembro de 2006, começa o trabalho de pré-produção de “Todo Dia” com a música “Três Palavras”, já gravada anteriormente em outra versão. Thiago propõe a regravação de “Dia Branco”, música de Geraldo Azevedo e Renato Rocha. Algum tempo depois, em Recife, Fernando encontra com Geraldo e diz a ele que estava trabalhando numa versão de sua música. Geraldo conta então que, quando compôs “Dia Branco”, ouvia de forma obsessiva o álbum “All Things Must Pass”, de George Harrison. Em dezembro de 2007, a nova versão de “Dia Branco” já estreava na programação de algumas rádios, sendo muito bem recebida pelo público. O diretor e fotógrafo Marcos Hermes filma o clipe de “Dia Branco”, que contou com a participação da atriz Regiane Alves. Thiago não esconde o jogo: faz questão de falar que, com muito orgulho, todas as suas canções falam de amor. Nenhum tema é mais difícil que esse, escrever sobre o amor sem soar piegas ou repetir algo já dito antes pelo menos uma centena de vezes. Thiago passa pelo teste-de-fogo-do-difícil-assunto com talento, Paul McCartney concorda com seu posicionamento musical e complementa: "... and what’s wrong with that? I’d like to know, ‘cause here I go, again, I love you …". Com dois beatles ao seu lado, Thiago Antunes faz um CD pop e romântico, acompanhado por excelentes músicos – destaque para a guitarra de Tuco Marcondes, também da banda de Zeca Baleiro. A produção é limpa e precisa, músicas redondas e canções inspiradas, prontas tocar no rádio e serem ouvidas a qualquer hora. Boas melodias fazem pessoas felizes.

A Pedra do seu Caminho (Thiago Antunes)
Depois de tudo o que passou
Meu bem você voltou
Que cena!
Eu quase não acreditei
Você vai muito mal
Que pena!
Pois hoje eu não preciso mais do seu amor
E quando eu precisei você me desprezou
Hoje eu não preciso mais do seu amor
E quando eu precisei...
Meu bem quando você se foi
E eu aqui fiquei sozinho
Eu lembro de você dizer
Que eu era a pedra do seu caminho

E hoje você vem pedir o meu amor
E hoje você vem dizer que se enganou
Já te dei meu sonho e minha mão
E como um vira-lata eu quis seu colo
Mas você só me dizia não!
Meu bem te dei meu coração
Eu te dei casa e pão
E vinho
Te dei meu carro e o violão
Da rosa o botão
Fiquei com o espinho
Não venha então você me pedir por favor
Pois tudo o que eu tinha com você ficou
E hoje você vem pedir o meu amor
E hoje você vem dizer que se enganou
E hoje você vem...

Noé Klabin



A primeira coisa que chama a atenção ao ouvir Noé Klabin (http://www.myspace.com/noeklabin) é o belo timbre de sua voz. No release, a informação de que sua professora de canto é Vera Canto e Mello, a famosa mestra-do-canto-carioca, que é ou já foi professora de vários cantores hoje famosos. Depois, os instrumentos: um violão-nylon, um violoncelo e percussões diversas. Noé cita que a formação inusitada do grupo foi escolhida pela necessidade de fugir do tradicional, e que sua música é influenciada por uma variedade indiscriminada de estilos musicais, do rock à bossa nova e aos cantos indígenas. O trabalho é o acúmulo de estudos que o levaram até a morar em uma aldeia de índios Xavantes, no Mato Grosso. Suas canções mostram harmonias bem trabalhadas, e algumas fazem referência ao folclore. O CD/SMD “O Bicho”, com oito músicas, abre com a instrumental (violão e violoncelo) “Lamento do Sol”. Depois, quatro músicas com a formação clássica de seu show: violão-nylon, violoncelo e percussão. Essas quatro músicas-calmas mostram originalidade, uma espécie de encontro de Cartola com Damien Rice em algum café do Jardim Botânico. Na sexta música, “Vento Mensageiro”, teclado, baixo e bateria são chamados para fazer companhia ao violoncelo. O clima mantém-se e o CD parece aproximar da MPB mais tradicional. Depois, uma transformação – de quem será essa nova música? “É Dela”, um funk à Cláudio Zoli, com banda e naipe de sopros, levando o CD a uma radical mudança de direção. O violoncelo, sem espaço, prefere se retirar. Por fim, na última música, nova mudança, desta vez não tão radical: “Confusão”, um rock no estilo noé-klabin e a melhor música do CD, mostrando a força de sua voz e seu timbre privilegiado. Noé foi sincero quando disse que sua música é influenciada por diversos estilos musicais. Aliás, ele foi original até na escolha da ordem das faixas, e fez um CD com a ordem exatamente inversa da que seria a esperada. Mas quem disse que o padrão de mercado é sempre o melhor?

Confusão (Noé Klabin)
Eu que vim do preto,
Eu que vim do branco,
Eu que vim do riso,
Eu que vim do pranto,
Eu que vim da noite,
Eu que vim do dia,
Sou filho do diabo com Santa Maria.

Eu vim do lixo,
Eu vim da flor,
Eu vim do ódio,
Eu vim do amor,
Eu vim do frio,
Eu vim do quente,
Eu sou careca mas eu uso pente.

De onde vim?
Pra onde vou?
O que é que eu fui?
O que é que eu sou?

Eu sou a mãe,
Eu sou o pai,
Eu sou hello,
Eu sou good-bye,
Sou anarquia,
Eu sou a lei,
Eu sou macho,
Eu sou gay.

Eu não sei não,
Eu sei de tudo,
Eu muito falo,
Eu fico mudo.

A única coisa que eu tenho certeza,
Vou lhe dizer e nunca se esqueça,
É que esse mundo é uma confusão
E quem acha que sabe, não sabe não.


sexta-feira, 25 de abril de 2008

O Vôo das Baratas Tontas



Retransmito texto de Beni Borja, compositor, produtor e guru do selo carioca Psicotrônica (www.psicotronica.com.br). São sábias palavras sobre o que poderá (ou não) ocorrer com as atuais e diversas mídias existentes e, conseqüentemente, com o futuro-da-música-como-nós-a-fisicamente-conhecemos.

O Vôo das Baratas Tontas

Caros,

Em meados de 2007, eu escrevi um despretensioso textículo com o título "O natal de 2007 - A fronteira final" (http://www.diariomusical.blogspot.com/), e me surpreendi com a sua repercussão. O ACM "do bem", Antonio Carlos Miguel, publicou-o no seu blog no Globo Online, e uma série de outros blogs fez referência a ele. Não era preciso ser nenhuma "Mãe Diná" para prever que o natal de 2007 seria o canto do cisne da indústria musical como a costumávamos conhecer.

É reconfortante verificar que o meu problema dos últimos anos - como sobreviver de música sem vender discos - finalmente ocupa a mente dos que dirigem as grandes corporações da indústria. No exterior, este começo de 2008 tem sido marcado por ações descoordenadas das grandes gravadoras, numa verdadeira revoada de baratas tontas. Uma avalanche de novas iniciativas no meio digital - música por assinatura, celular com música, música com mp3-player, música com propaganda, tentam convencer o ressabiado consumidor de música na internet a fazer negócio com uma indústria que, até poucos meses atrás, o tinha como inimigo declarado.

Na cirurgia plástica para dar uma cara "user-friendly" aos mercadores de fonogramas, a EMI deu um belo golpe ao contratar o CIO (Chief-Information Officer) do Google, Doug Merril, para comandar suas ações digitais. O cara já está milionário, gosta de música e resolveu assumir o risco de mudar de mocinho para bandido do capitalismo. O futuro dirá se ele vai conseguir fazer alguma coisa de útil, mas suas primeiras declarações foram muito interessantes. Perguntado sobre como a sua experiência no Google poderia ser útil nesse conturbado cenário da industria musical, ele disse que a principal coisa que ele aprendeu no Google que iria servir nessa situação era "seguir os dados". A tese dele, que faz muito sentido, é que num ambiente de mudanças constantes de hábitos, como o da Internet, não há como precisar o que vai funcionar, todas as iniciativas partem de um mero palpite sobre o comportamento das pessoas. Portanto é preciso experimentar de tudo e "seguir os dados” fornecidos pelos interação com o público, e aperfeiçoar constantemente os serviços oferecidos.

Realmente, a capacidade de rapidíssima adaptação das demandas dos usuários é uma característica comum a todos os negócios que dão certo no mundo digital. Essa flexibilidade, em função da demanda dos consumidores, foi tudo o que não aconteceu até agora por parte das gravadoras, que tentaram inutilmente adequar o consumidor ao seu modelo de negócio, ao invés de se ajustar às expectativas do cliente.

Aproveito a deixa de Mr. Merril para aposentar meus poderes extra-sensoriais de vidência. Minha clarevidência micada me obriga a rever a minha profecia de que os CDs iriam sobreviver com preço baixo, e dando meu braço a torcer, admito que provavelmente estavam certos os que previram a pura e simples extinção do disquinho prateado como produto comercial. Portanto, reconheço que não tenho a menor idéia, e custo a crer que alguém tenha mais do que uma intuição sobre qual modelo de comercialização de música digital vai cair no gosto dos consumidores. Se tudo se encaminha para um desfecho ainda imprevisível lá nas bandas do norte-maravilha, o que o destino reservará para nós da Brazucolândia? Nesta terra, onde os infelizes varejistas de música digital ainda estão amarrados ao formato-mico WMA com DRM, incompatível com IPod, o que se pode esperar do futuro próximo? Se aqui a comercialização de música digital anda, por enquanto, a passos de formiga, o outro vértice da mudança na música, a mídia, anda no mesmo passo apressado de outros cantos mais "desenvolvidos" (detesto esse termo).

A proliferação de uma nova e redentora instituição nacional, as "lan-houses", permitiu que o tenebroso futuro de uma divisão digital da sociedade, previsto por colegas futurólogos equivocados, não passasse de uma ameaça tão fajuta como o "bug" do milênio. Jovens de todas as idades e níveis de renda têm, indistintamente, acesso a mensagens instantâneas e a redes de relacionamento social. Por todo canto se vê gente de todo tipo com headphones no ouvido. A base instalada de banda larga cresce vertiginosamente, a penetração dos celulares é maciça, ou seja, a base instalada de futuros consumidores de música digital já está aí, e eles já estão descobrindo música pela Internet todos os dias.

Portanto, sigo fiel à minha promessa de abandonar a futurologia, quando diviso nos horizontes de 2008 o início do começo de um novo modelo de negócio de música. Os blogs como principal fonte de formação de opinião musical , os discos por download direto do artista, as redes de relacionamento como instrumento de agrupação de músicos, todas essas coisas estão acontecendo agora, e não são mais visões de um futuro possível. É difícil singrar pelos mares nunca dantes navegados dessa tempestade de informação, por isso escrevo esse e-mail-provocação esperando respostas. Respostas sobre a experiência pessoal de vocês, caros amigos, no surfe dessa onda... O que dá certo? O que é perda de tempo? Quem faz diferença? Prometo solenemente editar as respostas e dividir com todos , para que possamos aprender juntos.

um abraço,

Beni Borja”
(www.myspace.com/beniborja)
Sim, isso tudo tem ligação com o próximo post que pretendo escrever.