quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O Folk do Lestics e a Eterna Busca da Autonomia



No final de 2006, dois integrantes da banda paulistana Gianoukas Papoulas (nome digno de constar em texto do Hergé) montaram um projeto paralelo, chamado Lestics. A idéia básica, compor com liberdade, gravar em home studio e colocar as gravações na internet para download gratuito. Ou seja, com o acréscimo da tecnologia, pôr em prática mais uma vez os preceitos punks de 1976. Incrível como, 30 anos depois, a busca pela autonomia continua a guiar bandas como forma viável e possível. Existe algo mais insuportável do que depender de terceiros para fazer alguma coisa? Felizes são os pintores e os escritores, que podem fazer seu trabalho de forma solitária, e nem precisam passar pelo (desgastante e caro) processo de gravação em estúdio. Não precisam marcar ensaios, conciliar horários, administrar egos feridos. E o melhor de tudo, não precisam procurar baterista. Quanto menos gente envolvida, melhor. Não dependa de ninguém, jamais. O Lestics seguiu essa idéia, a busca do máximo quando se tem o mínimo. Dois músicos, com a ajuda complementar de um artista plástico (para a capa e o site), um DJ (algumas programações) e um técnico em masterização. Foi o suficiente, e a famigerada tecnologia se incumbiu do resto.

(na aba oposta do leque artístico estão os cineastas, ainda asfixiados pela impossibilidade de autonomia e completa independência, já que o cinema exige um investimento himaláico, muitas e muitas pessoas envolvidas e, no final de tudo, um número de salas de exibição simpáticas à causa em número abaixo do nível do mar. Calma, algo está acontecendo neste exato momento: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/12/04/327439610.asp. A era punk finalmente chegará aos cinemas? Morrerão os dinossauros progressivos captadores de recursos públicos? Respondam, respondam)

Assim, ocorre o seguinte: o que importa é o processo, é a felicidade de aprender e de se aprimorar, de ver seu produto chegar às pessoas que realmente estão interessadas nele. E se não chegar, isso é o que menos importa. Afinal, o que vale mais, uma platéia menor, atenta e interessada, ou uma multidão bêbada pulando em frente ao palco montado com o dinheiro de uma empresa de telefonia celular, banco, cerveja ou refrigerante? Não precisa responder.

(mais um parêntese: há uns três anos assisti a um show do Billy Bragg, só voz e guitarra, lugar de tamanho médio com um público de cerca de 200 pessoas, acho. Os aplausos não eram no final de cada música, mas sim no final de cada frase, algo que eu nunca tinha visto antes. Gostaria de ter entendido mais do que ele cantou, o bardo é inglês, mas sinceramente não sei que língua fala. Passei 10 anos estudando o idioma, em duas escolas, e tenho esses certificates inúteis. Quero meu dinheiro de volta)

A questão tecnológica e econômica: porque gastar milhares de dólares em um estúdio profissional estilo L.A., se podemos obter um resultado (semelhante / aceitável / apenas um pouco inferior) em um McIntosh caseiro? “Pelo timbre, pelo timbre perfeito”, retruca o dono-de-estúdio-estilo-L.A., defendendo seu território. “E o timbre perfeito sobreviverá após sua mutação para 128 Kbps e, céus, depois de ser anexado a um ícone dentro de uma página na Internet?” devolve o dono do McIntosh caseiro cheio de programas de última geração, muitos deles pirateados. E agora? E agora? Um Mesa-Boogie em volume máximo dentro de uma sala com tratamento acústico, ou um reles plug-in digital de guitarra? A provável perfeição ou o custo-benefício? Respondam, respondam. “Depende do objetivo” não vale.

O Lestics escolheu a segunda opção, e não se arrepende. O duo é Olavo Rocha (voz) e Umberto Serpieri (o restante, a parte que falta). Em março de 2007 lançaram o primeiro trabalho, chamado “Nove Sonhos” (ouça em http://www.lestics.com.br/). A gravação e mixagem foram feitas em um computador caseiro, com a utilização de programações eletrônicas. Dizem por aí que quem faz a mixagem não deve fazer a masterização. Dessa forma, a master veio de um estúdio externo. Poucos meses depois saiu o novo álbum, “les tics”, com suas nove faixas disponíveis no site, incluindo a capa. Ouça, grave, participe, tire suas conclusões. Um folk-country diferente, com bateria eletrônica, violões-base e arpejos de guitarras limpas e tremolos, teclados jovem-guarda, cantor de dicção clara e letras curtas e sintéticas, como esta:

Gênio (Lestics)

Shakespeare e os gregos
já disseram tudo antes
E você não quer viver
à sombra de gigantes

Três ou quatro genes
te separam da grandeza
Mas culpar seus pais
não é da sua natureza

Você tem a alma
atormentada de um gênio
Pena que te falte
uma pitada de talento

Só a solidão do topo
iria te acalmar
Todo mundo te entende
e isso te parece tão vulgar

Você tem a alma
atormentada de um gênio
Mas te falta
o talento

Para finalizar, o texto realismo-fantástico-lisérgico-anos-60 de Fernando Tucori, jornalista do site Rockwave (http://www.rockwave.com.br/). Está no release da banda. Acho que só serei capaz de escrever desse jeito depois da décima caneca de Guiness, e eu nunca passei da terceira. A Guiness é muito cara. A quarta é sempre Bohemia, baita nome legal. E sem nenhum axé/pagodeiro como garoto-propaganda.

“les tics

Vindo de uma temporada de imersão em Hunter Thompson e de uma matéria na mesma linha, “les tics”, da banda Lestics me serve como válvula de descompressão. Depois de ler a alma atormentada chapada de ácido no meio do deserto, em Las Vegas, é uma delícia ser conduzido pelos Lestics a uma viagem pela alma humana em nove capítulos. São nove maneiras diferentes de se perder dentro de alguém e, em contrapartida, achar-se em outro lugar, porque tudo aquilo que não foi capaz de te destruir, você é capaz de transformar em poesia.

Você estranha com admiração, você admira com estranheza, você vai negar, vai achar que a culpa é sua, vai achar que não é culpa de ninguém, é inevitável, que tudo está escrito mas mesmo assim muda, e que isso é que é o caos e não vai adiantar nada você perguntar ao caos por que é que ele é assim. É assim que é, o mundo é assim, a vida é assim e você não é um herói. Nem eu sou. Nem os Lestics. Quem faz de si um animal selvagem, fica livre da dor de ser um homem. Os Lestics não fazem nem um nem outro. Eles são homens e pagam em música a dor de o serem.”
(Fernando Tucori)

Nossa.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Ao Vivo!


sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Crítica? Que Crítica?



A crítica musical deve ser feita após audição atenta do trabalho do artista, ou seja, do criticado. E o crítico deve necessariamente entender do assunto e buscar ao máximo não colocar seu gosto pessoal naquilo que escreve. Difícil, hein? Quase impossível. “Na crítica literária, o crítico não tem outra alternativa que não a de converter a vítima que está analisando em algo à sua semelhança”. Antes que algum deles reclame, informo que a frase entre aspas não é minha, mas de John Steinbeck, o pai de Tom Joad. Música não é literatura, e a questão aqui é um episódio recente em que um famoso jornalista carioca comentou o trabalho de bandas brasileiras que gravaram versões de músicas dos Beatles, em homenagem aos 40 anos do álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band.

Há milênios passados, habitaram o planeta escritores que traçavam paralelos entre o trabalho de músicos e bandas com o mundo que nos rodeia. A crítica como literatura, Lester Bangs, Greil Marcus, entre outros. Bons tempos em que as pessoas tinham paciência para ler quase-tratados intelectuais sobre temas tão sem importância como bandas e discos de rock (... but I like it). Sim, Lester e Marcus foram os mentores do modernismo musical-impresso. Os monet da crítica (menos, menos). E hoje? Poucas frases apenas. Não há “literatura-comparada” alguma, isso não importa mais, e talvez não deva importar mesmo, não sei. O músico não precisar ser ou estar ligado ao seu próprio tempo. Essa análise tomaria tempo, e em alguns casos, também espaço. Cada mídia com seu estilo e proposta, não? Em blogs, por exemplo, a crítica fast-food pode ser a esperada, apesar do espaço disponível.

Para não ser injusto, sobrevive um escritor do jornal O Globo que ainda tece conjecturas inteligentes em sua coluna semanal, que nem sempre trata de música. O sujeito é bom. E devem existir muitos outros também. Alguns escribas da Rolling Stone brasileira. Quem conhecer mais, me avise. Onde estarão os discípulos de Ana Maria Bahiana?

(a quem se interessar: disponíveis em português os livros “Reações Psicóticas”, de Lester Bangs; e “A Última Transmissão”, de Greil Marcus, ambos da Conrad Editora).

O jornalista famoso, que conta com muitos e muitos leitores, escreveu isto:


"Quinze bandas independentes brasileiras lançaram pela internet o disco "Sargento Pimenta 2007", uma releitura do disco dos Beatles "Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band" em homenagem aos 40 anos do lançamento pelos Beatles ...Como sói acontecer em iniciativas deste gabarito, as gravações replicam a vida de um ascensorista, num constante sobe e desce de qualidade. No ponto mais baixo está "Lovely Rita" com a formação carioca Fuzzcas, mal cantada e mal tocada com um solo de guitarra sem qualquer inspiração. Em compensação, muita gente fez bonito. Madame Mim foi a mais ousada com sua versão da faixa título totalmente eletrônica com um vocal suave e uma certa subversão da melodia ..."

A raiva de alguém que não concordou com a forma como foi feita a crítica (ou seja, eu): onde fica o ponto mais baixo, meu caro tinhorãozinho básico? No porão? Na garagem? Se for lá, talvez a frase seja um elogio. Se não, por que e para que isso? Também não entendi a comparação das músicas com a vida de um ascensorista, que pelo que eu saiba oferece sempre o mesmo serviço, com a mesma qualidade, independente do andar solicitado por quem adentrar ao elevador. Incluindo o "ponto mais baixo".

Então, a prova dos nove (expressão do fundo do baú) deve ser tirada ouvindo-se a versão dos Fuzzcas no http://sargentopimenta2007.blogspot.com/, e também suas próprias músicas no site http://www.fuzzcas.com/. A banda é boa, a cantora também, e esse negócio de inspiração para solo de guitarra é relativo. Às vezes, expiração é bem melhor. É interessante ver como a banda conseguiu reverter o contexto da frase em seu site, de forma bem humorada. Tem até uma foto do jornalista lá. Falem mal, mas falem de mim.

Fim. Mudando de assunto, vamos agora falar mal de cantores de axé ou pagode que incitam a juventude ao terrível vício sem volta do álcool, condenando-os a uma morte horrível no trânsito se não tiverem amigos abstêmios legais nem dinheiro para o táxi, ou pior, a uma barriga imensa pendendo sem controle para fora da calça. Já notaram que esses malditos pseudo-cantores sempre mantêm uma fundação-de-auxílio-a-crianças-carentes-no-local-miserável-onde-passaram-sua-infância-sofrida? Fazem isso, é claro, para justificar perante não sei quem a bufunfa ganha das cervejarias, inclusive de uma bem conhecida que nem imposto paga. Ou seja, como os impostos no Brasil não retornam em forma de políticas sociais, é preciso que axés e pagodeiros façam propaganda de cerveja para que consigam levar os impostos sonegados ou não à referida comunidade carente, fazendo assim justiça com as próprias papilas gustativas. Faz sentido. Escrevi isso tomando uma, mas preferi Guiness. Não tenho acesso à propaganda que ela faz. Oh Godness, My Guiness.

Ana Maria Bahiana

Aposto que poucas pessoas conseguem saber o momento exato em que disseram para si mesmas, pela primeira vez, “eu gosto de rock’n’roll”. Um momento mágico, mas com efeito nem sempre eterno. Pois eu me lembro: foi quando fui à banca de jornal localizada em frente à COBAL do Leblon e comprei um exemplar de “As Melhores Bandas de Rock de Todos os Tempos”, escrito pelos mestres Ana Maria Bahiana e José Emílio Rondeau. Em número de dez e sem ordem, as bandas eram as seguintes: Beatles; Yes; Sex Pistols; Pink Floyd; Crosby, Stills, Nash & Young; Rolling Stones; Cream; Traffic; The Who e Led Zeppelin. Antes de discordar da lista, informo que os critérios foram definidos lá, tipo músico-solo não vale, importância da obra completa, influência sobre outras bandas, etc. Da lista, eu só não concordaria com o a inclusão do Traffic. Colocaria os Doors, mas a Ana disse que eles eram só o Morrison, e esse foi justamente o critério adotado para não incluí-los. Sim, notar que à época ainda não existiam U2 nem Smiths nem Police, que não poderiam ficar de fora. Ou existiam mas ainda não faziam tanto sucesso, como o caso do Police (ouço vozes discordantes: Smiths e Police na lista, heresia, heresia!). A revista não traz nenhuma data, calculo que tenho sido publicada por volta de 1979 ou 1980. Depois disso não é, porque o texto sobre os Beatles não cita o encontro de John com Mark. Quem comprasse o fascículo ganhava grátis uma fita virgem C-60 high-performance da MAC. Uêba.

Nick Hornby ainda não tinha escrito Alta Fidelidade. Acho que ele leu “As Melhores Bandas de Rock de Todos os Tempos”.

Falando da professora de muitos que escrevem por aí, o Música Folk! recupera um texto dela que saiu algum tempo depois, em fevereiro de 1983, na extinta revista Pipoca Moderna. A revista publicava coisas interessantes: “Who dá adeus à estrada”; “O que aconteceu com o Pink Floyd?”; “Por que a rádio FM é tão chata?”. Rapaz, o assunto é sempre o mesmo.

(por curiosidade, abri minha caixa de fitas antigas, guardadas no fundo da gaveta inferior do armário, onde em casas-padrão habitam os sapatos. Lá estava ela, a MAC high-performance. Tinha que ser ela, a única MAC no meio de dezenas de BASFs e Phillips. Abri a caixa, e estava escrito, na capa interna: Rumours - Fletwood Mac, com a lista das faixas. Não lembro se foi alguma piada esse negócio de gravar o Fletwood numa MAC, ou se foi só coincidência. Coloquei-a no Tape-Deck - sim, ainda tenho isso. Nada, só barulho. Como a Stevie Nicks não era adepta do rock industrial, deduzi que a fita estava estragada mesmo. Apesar da lata de lixo ao alcance da mão, guardei a fita na caixa, e guardei a caixa no fundo do armário. Fechei a porta, e tive a certeza de que, realmente, eu devo ter alguma espécie de problema)

Bem, voltando, já que falei de crítica musical no post aí de cima, resolvi recuperar um texto antigo que trata justamente disso. De uma maneira correta e inteligente, independente da opinião que se tenha sobre o assunto. Algumas partes não se aplicam mais de forma ampla, como a que fala dos artistas-heróis. Com a Internet e outras tecnologias, sobraram poucos, só alguns figurões, e hoje muitos deles tentam salvar as migalhas. Mas a defesa apaixonada da Crítica vale a leitura. A guerra de doidos continua.


Porque Amo a Crítica
(Tomando posição numa guerra de doidos)

Ana Maria Bahiana
Revista Pipoca Moderna – fevereiro de 1983

“A essência do drama é a complexidade; a fatalidade do heroísmo é a necessidade de vencer um inimigo. O herói se alimenta da tragédia. Sem tragédia, como existiriam feitos heróicos? Dessa forma, o líder glorioso sempre se sente compelido a declarar guerra. Algum povo, algum grupo, algum indivíduo deve ser sombrio e mau para que, vencendo-o, o herói prove o seu heroísmo” (Dane Rudhyar).

“Uma das discussões mais interessantes da ruptura punk 76 talvez nunca chegue ao Brasil: a discussão do papel do artista popular, sua real dimensão. Os punks diziam – diziam através de fatos e atos, porque a prática é sua fala – que qualquer um era artista, que não deviam existir fronteiras entre palco e platéia, que “criar” não era um ato divino ou inspiracional mas um acaso, uma brincadeira. Essa discussão se deu porque do outro lado o artista tinha-se hipertrofiado até o ridículo, tinha se tornado, de fato, “divino”, olímpico, inacessível.
Estamos chegando a este ponto aqui, agora, mas ninguém parece disposto a discutir o assunto.
Todo ser humano é potencialmente capaz de criar. As sociedades “primitivas” vivem da criação: na Indonésia, por exemplo, o “lazer”, ou seja, a atividade de inventar e descobrir, ocupa dois terços do dia; o “trabalho”, ou seja, a subsistência, toma não mais que um par de horas.
Mas nossas sociedades “civilizadas”, capitalistas, socialistas ou mais ou menos, não precisam de indivíduos criativos. Precisam de mão-de-obra. Técnicos. Operários.
O que fizemos do quinhão criador que tivemos, um dia? Abrimos mão dele em troca de um lugar no mercado de trabalho. E delegamos esse poder a outrem. A outro técnico, outro trabalhador: o que, em troca de nosso amor, de nosso dinheiro e de nosso tempo, criará por nós. Eventualmente – uma ou duas vezes em cada geração, mais ou menos, num lance de dados da genética – ele será completamente criativo. Genial. Absoluto. Tirará do nada estradas, formas e cores. É raro, mas acontece. Os demais serão o que devem ser, o profissional assim como somos o que fizeram de nós: profissionais do entretenimento. Ele nos divertirá após um dia duro de trabalho não-criativo. Ele encarnará nossas fantasias. Ele viverá nossos desejos de revolta, libertação e protesto.
É um belo trabalho, um trabalho honesto que gera empregos, divisas e eventualmente enriquece dezenas de pessoas, ano após ano. É uma boa carreira, capaz de rápida evolução mesmo em anos de crise econômica, de salários ralos, no início, mas bastante compensadores após anos no mercado.
Não posso falar das outras especialidades desse mercado. Em música popular, contudo, há algum tempo as coisas não se passam bem assim.
Acho que não estou exagerando quando digo que 99 por cento de nossos artistas se vê não como um profissional, mas como um herói. Alguém diretamente investido em suas funções por Deus. Não o artesão de possibilidades conhecidas – harmonias em uso em nossa cultura, ritmos populares, emissão de voz e som – mas sacerdote de uma chama exclusiva, gerada no âmago de seu ser. Ele é diferente. Ele é melhor. Ele é especial Ao seu redor, em geral gravitam satélites – assessores, secretários, divulgadores. Como uma criança ou um doente ele não é capaz de lidar com o mundo real – os satélites se imcumbem disso. Ele se reserva exclusivamente para o elevado dom da criação.
Já parei de contar as músicas e os shows que falam só sobre isso. Sobre como o artista é especial, atormentado pela paixão da criação, superior aos outros seres humanos (a platéia) que se debatem nas avarezas do dia a dia.
Já parei de contar as reclamações contra público e imprensa que “querem aparecer mais” que o artista. Querem ser iguais. Querem ser vaidosos, imagine! Abaixo a democracia da vaidade! Só quem brilha aqui sou eu.
Dane Rudhyar, homem extremamente sábio em seus 87 anos de filosofia, música, pintura e astrologia humanística, já disse de que o herói mais necessita: de inimigos. Num tempo em que já escassearam os inimigos clássicos – o obscurantismo, a repressão, a polícia – a crítica tem se transformado no inimigo favorito do herói. Ela joga poeira sobre seu ouro. Ela o recorda se sua humanidade, de seu papel, de suas limitações.
Ela o avalia: avaliar é um crime no olimpo do herói, ele precisa de adoração, mimos, forças, vibrações positivas. Ela pensa, exercita seu parecer pessoal e, por conseguinte, lembra a todos que pensar e opinar é possível. O herói preferia que, se pensar fosse o caso, era melhor que se pensassem os pensamentos sugeridos por ele, herói.
Essa guerra de doidos não vai acabar nunca. Ela é essencial para a manutenção do status quo e há muitos interesses na manutenção do status quo. O público prefere heróis a seres humanos – ser humano, chega eu! E um diretor de marketing passou 40 minutos me explicando como era essencial manter o artista distante do público para que seus discos vendessem.
Não desejo que a crítica seja a inimiga do herói, nem que seja outro tipo de herói. Sei que ela tem falhas, algumas graves, mas me recuso a discuti-las em público enquanto o ato de opinar, em si, estiver sendo alvo de verdadeiros ataques histéricos. Não quero entrar nessa guerra de doidos em que todos saem perdendo. Quero só dizer o seguinte, dois pontos.
Acredito na crítica honesta. Acredito que uma crítica honesta, mesmo equivocada, é melhor que nenhuma crítica. Acredito que se deve à crítica e à imprensa a sobrevivência de muitas carreiras de profissionais de música durante períodos em que os inimigos eram outros. Acredito que a critica honesta, mesmo com todas as suas falhas, cumpre um papel essencial no bom jornalismo, que é exercitar junto ao leitor a capacidade de emitir opinião. Acredito que o diálogo e até a discussão são melhores que a um monólogo.
Recuso um a um os argumentos dessa guerra de doidos. Não acredito no clichê de que o crítico é um artista frustrado: um crítico critica porque gosta disso, porque compreende verbalmente o mundo abstrato da música. Não acredito no clichê de que o crítico deva ser músico ou compositor para poder escrever: ele deve é saber criticar, há sabedorias e técnicas específicas de seu ofício. Não acredito no clichê de que o crítico é o vampiro do artista: ambos precisam-se mutuamente; um, porque necessita de assunto, o outro, porque necessita de espaço. Ambos nutrem-se, sim, da fonte comum da música, que é uma das formas mais divertidas e ricas de comunicação entre os homens.
Acredito que a arte é maior que a crítica. Acredito que arte é um conceito que tem sido usado fora de perspectiva. Acredito que todo ser humano é capaz de criar e não deve abrir mão desse dom. Acredito que o artista, genial ou não, trabalhador competente ou não, é um ser humano como qualquer outro. Acredito no poder da palavra. Acredito na alegria da música.
Não acredito em heróis.”
Ana Maria Bahiana

Então é isso. Eu também não acredito em heróis. Só acredito em Bruce Springsteen.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

A cena musical de Brasília - bases e espaços





Em década remota, foi cunhada nesta cidade a frase: “Brasília é a capital do rock”. Infelizmente, as aspas delimitam uma pretensão oportunista e como altos teores político-mecadológicos. Patriotadas regionais à parte, se existe uma cidade no Brasil (capital ou não) que merece tal título é São Paulo. Um bairro? Pompéia. Li isso numa revista-do-ramo. Uma rua? Não faço idéia, aí já é querer demais. Deixando o rock de lado e sendo mais abrangente, São Paulo (e Rio, Belo Horizonte, Salvador, Recife) certamente ultrapassam Brasília no indicador MIB (Música Interna Bruta), mas é possível que fiquem (bastante) atrás no MPC (Música Per Capita). Considerando o número de habitantes, Brasília é musical até o último traste, e digo mais, possui um cutway de fazer inveja a Londres e Nova Iorque (calma, calma). Alguns dos responsáveis por tal pujança, as bases e espaços:

ASSOM (http://www.assom.org.br/) - Associação dos Músicos do Distrito Federal e Entorno. Busca defender os interesses dos músicos profissionais, suprindo parte do papel do Sindicato dos Músicos do DF e intermediando as relações entre os músicos e seus contratantes. Um de seus principais objetivos é a criação e o fomento de um mercado de trabalho para o profissional em Brasília, divulgando e distribuindo comercialmente a música criada por aqui. Entre seus associados, nomes bem conhecidos dos nossos palcos, como Rênio Quintas, Célia Porto, Eduardo Rangel, Janette Dornellas, Duo Mandrágora e Jorge Antunes, entre outros. A filiação é aberta a qualquer músico e, de suma importância: sem discriminação de estilo musical. Mas será que não discriminam nem o axé-pagode-funk?

Bares e Pubs com música ao vivo: diversas casas noturnas conseguem fugir com certa freqüência das bandas-covers que assolam a cidade, injetando um pouco de criatividade no sangue já quase que completamente tomado pelo álcool do respeitável público fiel. Entre elas estão o Feitiço Mineiro, Gate’s Pub, UK Brasil, O’Rilley Pub, Rayuela ...

Clube do Choro (http://www.clubedochoro.com.br/) e Escola de Choro Raphael Rabello: promove um trabalho de revitalização e atualização da obra de grandes compositores brasileiros, como Pixinguinha e Jacob do Bandolim, entre outros. Ao mesmo tempo em que referencia os clássicos, também cuida do futuro com projetos como o “Caindo no Choro”, onde explora as possíveis zonas de contato entre o choro, a bossa nova, o jazz e – ora, ora – a música pop. Um oásis para quem gosta de choro e do (bom) samba.

CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil): no primeiro domingo de cada mês, shows ao ar livre no final de tarde, autorais, com excelente infra-estrutura e direito ao cenário do Lago Paranoá e da famosa ponte que, é óbvio, se chama JK. Dizem que ela foi feita com dinheiro que (era) destinado à área da saúde. Faz sentido: quem pular da ponte não precisará mais utilizar o falido sistema nem correr o risco de adentrar a emergência do Hospital de Base ou, pior ainda, o cenário de guerra da internação. Mas o que esse assunto inconveniente tem a ver com este post? Deixe o problema permanecer debaixo do tapete vermelho de algum ministério, onde é o seu lugar. Bom, dito isto, voltando então. Antes que eu me esqueça: tem uns shows subsidiados pelo Banco do Brasil no teatro do CCBB, com ingressos extremamente baratos. Tão baratos que acabam cinco minutos depois de terem sido colocados à venda. Eu nunca consegui comprar nenhum.

Correio Braziliense: página comandada pelos bravos e intrépidos Tiago & Daniela, o Garagem de sexta-feira é A AGENDA de tudo o que vai acontecer musicalmente no underground e middleground de Brasília no (final ou não) de semana. Além disso, trás também informações sobre shows e festivais em outras capitais. Só faz falta o “Carne Nova” (gritos: volta, volta!). No Caderno Fim de Semana, leitura fundamental das páginas “Sons da Noite”, do Irlam Rocha Lima; e “Madrugada B.E.A.T.S”, do Samy Adghirni, sobre música eletrônica. O jornal tem também uma coluna sobre lançamento de CDs muito boa, mas não me lembro em que dia sai, acho que é na segunda, terça, quarta ou quinta-feira.

Centro de Convenções Ulysses Guimarães: lá tem dois níveis de cadeiras: o nível inferior, de ingressos mais caros, dá direito a ouvir o show e a chacoalhar as jóias, se gostar da música. O nível superior (superior só em altura) é ocupado em geral por falidos de carteirinha. Lá o som não chega e o palco fica a cerca de 250 Km de distância. Dessa forma, abra a mão ou fique em casa.

Escola de Música de Brasília: (http://www.emb.com.br/) é quase um milagre (palavra forte?) existir e continuar existindo, para sempre, uma escola desse nível no país das falsas figuras como o Brasil. E ainda tem o Curso de Verão. Sem palavras.

Espaço Cultural da 508 Sul:
o espaço possui, entre diversas outras (boas) opções, um (bom) teatro, (mal) conservado e com (zero) shows em cartaz. Pena, pena. Sugestão: reformar o teatro, comprar som e iluminação e oferecer ao mercado musical e teatral o aluguel do local a preços razoáveis. Não adianta fazer - somente - aquelas famosas “concorrências públicas” em que você tem que apresentar seu “currículo” e seu “projeto” e ser ou não aprovado por uma comissão de notáveis. Tem muita gente que quer apenas pagar um preço justo pelo espaço e não está nem um pouco a fim de ser julgado por ninguém. Mas o ideal é manter também a opção anterior, afinal, como nos ensina o filósofo John C. Mellencamp, a vida é dura.

GRV (http://www.grv.art.br/): selo de Brasília que tem em seu cast grandes guitarristas como Haroldinho Mattos, Celso Salim e Dillo D’Araújo. A GRV também trabalha com produção executiva e artística, produção fonográfica e elaboração e gestão de projetos culturais. É a organizadora da Feira da Música Independente (FMI) (http://www.fmi2008.com.br/), um dos maiores eventos musicais-anuais de Brasília.

Livraria Cultura e FNAC: cult-shows, a versão musical dos cult-movies. Tem que baixar aquele clima dublinense e literário. Só tocam bandas com letras inteligentes. Não vale rimar amor com dor ou calor. É proibida a entrada de intelectuais que consideram os discos “Pet Sounds” e/ou “Revolver” como os melhores de todos os tempos. A FNAC tem seus shows-happy-hour; na Cultura, domingos, 17 horas, às vezes.

Monstro Discos (http://www.monstrodiscos.com.br/): selo de Goiânia, com influência em Brasília. Os vizinhos nipônicos já abduziram bandas locais como os Sapatos Bicolores e os caras-legais da super-banda Prot(o). No último episódio, lançaram garras sobre seres indefesos: os eletropandas Lucy & The Popsonics. A Monstro Discos está aberta à contratação de novas bandas, com exceção dos gaúchos do Ultramen.

Porão do Rock (http://www.poraodorock.com.br/): ONG que produz, desde 1998, o nacionalmente famoso e disputado Festival Porão do Rock, que ocorre em junho ou julho. Em 2007, o Mudhoney conheceu os palanques de Brasília. Busca também atuar socialmente e seus objetivos, de acordo com o site, são bem audazes. Torcemos pelo sucesso e aguardamos retorno.

Radio Cultura-FM: é (ou será, ou é bom que seja) o elo de ligação, o hub, a conexão, a voz de tudo isto que está aqui. A comissão técnica é de primeira. Mais detalhes no post de 31.05.2007.

Senhor F (http://www.senhorf.com.br/): revista eletrônica e selo, tem como foco principal os indies e as guitar bands, embora outros estilos tenham também seu ingresso assegurado. Em conjunto com o estúdio de Philippe Seabra, lançou discos de bandas como Los Porongas, Volver, Graforréia Xilarmônica e Superguidis, além de dois bons pés-de-sebo. Baixe algumas faixas no site. O grande nome do cast é – na minha opinião, claro – alguém que foge do aparente “estilo principal” do selo: o soft-rock classudo e cheio de poesia de Beto Só. Estendendo seus tentáculos noturnos, as famosas “Noites Senhor F” tornam a noite de Brasília um pouco mais (atenção para palavra já utilizada anteriormente) criativa, e acontecem sem periodicidade definida no Gates’s Pub.

Teatro da Caixa: shows excelentes a preços populares, subsidiados pela CEF. Mesmo esquema do CCBB: em geral, os ingressos ou acabam em cinco minutos, ou o sujeito na sua frente compra o último. Futurologia: quando o lucro excessivo e totalmente fora de lógica dos bancos diminuir, os ingressos subsidiados ficarão mais caros, e conseqüentemente durarão mais tempo na bilheteria. E isso é bom ou ruim? A quem interessa o lucro excessivo dos bancos no Brasil? Aos banqueiros ou aos compradores de ingressos subsidiados? Antes um ingresso-subsidiado-tô-na-fila-desde-as-quatro do que um ingresso a preços de chico-buarque. Voltando.

Teatro dos Bancários: meio fora das luzes do palco musical, ultimamente. Shows esporádicos.

Teatro Nacional:
esse é top. Aluguel caro, fora do mercado independente, exceto se o produtor conseguir o patrocínio de dezenas de logos coloridos. Ou de um logo colorido bem grandão, daqueles que vai querer se instalar no alto de sua página, em local de destaque, e participar ativamente de todos os banners. Inscreva-se no “Arte por Toda Parte” (http://www.sc.df.gov.br/paginas/aptp/aptp_01.htm) ou no FMI e, se tiver sorte, tocará lá. O projeto do teatro é, obviamente, do onipresente Niemeyer.

Esqueci e não citei muita coisa. Isto aqui é muito menos que um compêndio.

Já ouvi diversas vezes que, no quesito musical, Brasília tem a fama de ser, digamos, um pouco “compartimentalizada”, palavra de origem desconhecida que significa dividida em compartimentos que não necessariamente se comunicam entre si. Será verdade? Ou apenas mais um reles e desprezível mito?

As terríveis falsificações chinesas e suas conseqüências nefastas sobre músicos éticos e honestos


(notícia urgente: cuidado com o exército vermelho. Esses chineses decididamente passaram dos limites, não dá nem mais para comprar uma guitarra em paz. Perigo extremo, a não ser que você queira uma Gibson Custom Shop nova por menos de US$ 300 e fique feliz com isso. Afinal, o que importa é o nome no headstock, não? Piratas sem ética, como diriam naquela propagando do rádio ... bem-vindo ao mundo Rolex, o Mercado Livre vai fazer a festa, a Feira do Paraguai, Galeria Pajé, Saara ...).


http://www.musoland.com.cn/

http://www.bazaarofchina.com/

Por falar nisso, como é que eu encomendo minha Gretsch tabajara ???

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Rodrigo Santos (Rio de Janeiro, RJ)



(existe uma pequena e remota área no cérebro onde residem as boas lembranças, sempre prontas a serem resgatadas ao receberem qualquer sinal que as conectem de novo aos tempos atuais. É interessante vê-las retornar, voltar à vida e sair às ruas, independentes e felizes, prontas para começar tudo de novo).

Em meados dos anos 80, existia uma danceteria, modalidade extinta de casa noturna. Chamava-se Metrópoles, ficava em São Conrado e hoje não sei o que existe lá. Talvez não exista nada. Assisti a diversos shows na casa, um deles do IRA, que ainda não tinha ponto de exclamação (ou será que tinha, e hoje é que não tem?). O Edgar Scandurra usava uma guitarra Rickenbacker vermelha, que na época era um dos meus objetos de desejo, ao lado da Luciana Vendramini. Naqueles dias, tanto a guitarra quanto a Luciana eram inalcançáveis, exatamente na mesma proporção. Hoje, somente o Caos Aéreo e a Receita Federal insistem em se interpor entre mim e a Rickenbacker. Só que eu não quero mais nem uma Rickenbacker, nem a Luciana Vendramini. Objetos de desejo são mutantes, evoluem com o tempo. No mesmo local assisti a um show da Legião Urbana, grupo em ascensão que tocava na Fluminense-FM. Não lembro se já tinham ou não lançado o primeiro disco. Negrete ainda no baixo, Renato Russo usava um casaco preto pesado, comprido até os pés, à la Darth Vader. Para quê não sei, talvez para parecer cool ou algo similar. Não era uma boa idéia ser cool daquele jeito, considerando o calor infernal que fazia sempre. No final das contas, o casaco preto pesado funcionou. Uma obscura banda do Jardim Botânico, chamada Distúrbio Social, tocou uma noite lá. E assisti também a um show do Front, quarteto no qual o baixista ficava no centro do palco, e cantava. O baixista chamava-se Rodrigo Santos.

Alguns anos depois, início da década de 90, Rodrigo Santos (http://www.rodsantos.com.br/) é convidado para o Barão Vermelho, substituindo Dadi que tinha substituído Dé Palmeira. Rodrigo adapta-se perfeitamente ao estilo do grupo, talvez até mais que os seus antecessores. Rodrigo Santos é o Ron Wood do Barão Vermelho. Então, em fins de 2006 começam as segundas férias coletivas da banda, e ele aproveita para gravar de forma independente seu primeiro disco-solo, “Um Pouco Mais de Calma”. Na fase de mixagem, é contratado pela Som Livre.

Baixistas ao seguirem carreira-solo muitas vezes optam pelo violão, principalmente pela maior facilidade para tocar e cantar ao mesmo tempo. Nando Reis e Leoni fizeram isso. Sting tentou o nylon em sua incursão Bring on the Night pelo jazz, mas logo desistiu e voltou às quatro cordas. Paul McCartney prefere tocar tudo-ao-mesmo-tempo-agora, baixo, guitarra e piano. No CD, Rodrigo toca baixo, violão e guitarra, mas em shows prefere apenas os violões-aço e sua Craviola Giannini. E foram esses instrumentos e suas cordas pesadas que tomaram as decisões harmônicas e indicaram à banda o caminho que as músicas deveriam percorrer. Em algumas delas um violino foi contratado como ajudante-de-ordens, e os músicos entenderam que naquelas faixas quem mandava era ele.

Como disse certa vez Mr. Hanks, o importante não é o destino, mas a decisão de embarcar. Por algum motivo, o CD lembra uma viagem, não no sentido lisérgico, mas no sentido rodoviário mesmo. Uma estrada daquelas que se vê em filmes ou em países mais ao norte, com árvores altas próximas ao acostamento e nuvens e montanhas distantes. A música no Pioneer seria “Um Pouco Mais de Calma”, parceria de Rodrigo com Frejat. É claro que para atingir esse objetivo a estrada teria que ser uma daquelas privatizadas e com o pedágio pela hora da morte, pois aqui é Brasil e não são todos que têm um 4x4 com suspensão reforçada, ou um trator. Quanto ao CD, é tranqüilo e reflete PAZ e uma espécie de bem-estar, suspenso por alguns (pesados) instantes pela música “Cidade Partida”. As músicas são mais otimistas que algumas de suas letras, aliás como deve/pode ser qualquer trabalho que vise maior profundidade e reflexão. Permeia o trabalho o desejo de mudança, de alteração de rumos ou mesmo da vida. Diversas coisas impressionam – a voz de Rodrigo, os arranjos elaborados, as guitarras de 12 cordas, as melodias de base folk. Tem algo de rito de passagem, algo de místico, Cat Stevens pré-islâmico, Bob Dylan em seu desejo por Sara, George Harrison no início dos anos 70 informando ao mundo que todas as coisas precisam passar.

Carta para Nós (Mauro Sta. Cecília, Betinho, Rodrigo Santos)

Essa é uma declaração de amor a nós
Não tenho nenhuma pressa em morrer
Não tenho nenhuma pressa em terminar essa carta
E voltar a ela é como um renascer

Preciso cuidar de cada sílaba
Uma carta pra nós assim merece
Merece ser um pedaço
Um pedaço de vida
Pela via do que não se esquece

Saímos em direção ao fim
Como quem procura um começo
Foi um turbilhão de emoções
E veio o primeiro beijo
Veio o primeiro beijo, veio o primeiro beijo ...

Já passamos juntos por tantas coisas
Se for contar, o tempo é curto
E até foi preciso entrar numa onda
Entrar numa onda sem futuro

Mas nosso amor foi maior que o desespero
Medo de dia, amor de noite
E resolvemos continuar tudo
Apesar do mundo, apesar de tudo
Pois o olhar do outro é o que nos faz viver em PAZ.

Leiam o verso “Preciso cuidar de cada sílaba”. Seria o mandamento número um de qualquer escritor, de qualquer letrista? Rodrigo entendeu o recado, e fez questão de seguí-lo em um dos CDs mais belos, melódicos e cheios de esperança deste ano de 2007.


Momento Hardware: pedais artesanais brasileiros



(Só para guitarristas. Ou para não-guitarristas que desejem entender a psicose de uma classe)

Guitarristas que não usam pedais têm o motivo na ponta da língua. Temos que respeitar as opiniões, mas convenhamos que é sempre a mesma ladainha: “quero ouvir o som da guitarra”, “não gosto da perda de sinal”, “o que interessa é a pegada”, “quero manter as coisas simples”, “o som está nos dedos”, etc. Caiam na real, senhores adeptos do básico: bom mesmo são duas pedaleiras com quinze pedais cada uma, interligadas por um loop selector. E, sempre que possível, pedais analógicos e true by pass.

E por falar em pedal, aí está um setor no qual pindorama está muito bem servida. Por aqui existem fabricantes artesanais excelentes. E eu, por menos patriota que seja, faço questão de pesquisar e usar. Nada como sujeitos que se propõe a fazer um serviço bem feito e por um preço justo, mesmo cercados de chineses por todos os lados. Para quem não possui uma quantidade razoável de reservas cambiais, são as melhores opções. Sim, o bom seria comprar pedais, digamos, “de gente grande” (Z-Vex, Barber, HBE, Fulltone). Mas nem sempre isso é possível, seja pelas ditas reservas quanto pela dificuldade de encontrá-los por aqui. Aí é que entram os artesanais brasileiros, melhores que um Boss ou seus parentes próximos. Os Guitartechs e os MGs são verdadeiras obras de arte, e por um preço menor que os similares “de boutique” estrangeiros. Os Beggiato são ótimos, e por um preço ridículo. É hora de anunciar seus chineses no Mercado Livre. Ainda tenho alguns MXRs e um overdrive Boss, made in Japan. Um trêmolo Boss, made in Taiwan. Taiwan não é china. Há controvérsias. Sobrou um Dan-Echo da Danelectro, chinês legítimo. O resto é daqui:

Uso estes:

http://www.mgmusic.net/ (fuzz e vibes sensacionais. Os musts são o Lexotone e o Monovibe)

http://www.guitartech.com.br/ (o boost ideal é fabricado por eles – The Bomb Booster. O Silver Drive é um TS808 melhorado e com true by pass)

http://www.beggiato.com.br/ (custo x benefício imbatível. O Tube Sound é um Silver Drive mais em conta, mas com a mesma qualidade. O Fuzztortion tem um sustain inacreditável)

http://www.empowerlabs.com.br/

http://www.efxpedais.com/

http://www.hobbertt.com.br/ (o famigerado loop selector é daqui)

http://www.landscapeaudio.com.br/ (pedalboards)

http://www.guitargarage.com.br/ (captadores vintage sound. Coloquei um trio de two tones na minha Supersonic 1976).

Outros: (nesses eu nunca toquei. Mas estão na lista)

http://www.dynaboxx.com.br/

http://www.danamp.com.br/

http://www.silvaohandmade.com/

http://www.56inc.com/

http://www.vibeguitars.com.br/ (loja multi-marcas. Vende os Estevam Tubes e os HR)

http://www.blueaim.com.br/

http://www.tmiranda.com/

http://www.deeptripland.com/


Um dos mestres no assunto é o João Erbetta, guitarrista do Los Pirata (http://www.guitarbizarre.com/). Além fronteiras, Nels Cline, do Wilco, dá uma aula aqui: http://www.nelscline.com/tech.html . Para os psicopatas, http://www.pedalgeek.com/ .

Bons pedais são como bons vinhos, pois alegram a alma e satisfazem os sentidos (ok, ok, reconheço que agora passei dos limites). Admito que trato pedais da mesma forma que trato vinhos. Não ligo para um Roger Mayer nem para um Voodoo Lab ou um T.C. Eletronics, mas nem chego perto se não tiver qualidade. Quando fui a Bento Gonçalves e vi o excelente trabalho que eles fazem lá (a Casa Valduga é a MG Music deles) passei a comprar apenas vinhos do Vale dos Vinhedos. Desse jeito, jamais chegarei a Ed Motta. Mas está tudo muito, muito bem.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Mitos do Rock - idade e "credibilidade"



Existem, entre diversos outros, dois falsos e nefastos mitos que tentam enquadrar o rock’n’roll: 1) todos os ídolos/músicos “famosos” de rock deveriam morrer antes de ficarem velhos (ou, sendo menos radical, deveriam deixar de tocar esse tipo de música); 2) todos os compositores de rock deveriam escrever sobre experiências próprias, sobre fatos que ocorreram em suas vidas, sob pena de não terem “credibilidade” (seria essa a palavra entre aspas mais adequada? A reboque viriam, sem terem sido chamadas, a “integridade”, a “autenticidade”, etc. etc.).

O primeiro item já foi discutido centenas de vezes, com todas as discussões citando a frase de Pete Townshend, “I hope I die before get old”. Se não citar, não vale. Já foi objeto de reportagem da revista Rolling Stone (a estrangeira), na qual o autor achava um acinte ao rock a existência de qualquer ser humano famoso com mais de 30 anos que cantasse ou tocasse guitarra pertencendo ao dito gênero musical. Haverá lei que obrigue uma “estrela do rock” a tocar blues ou jazz a partir dos 31, sob pena de ser linchado ou desacreditado? Quem não conhecer todos os acordes de jazz deve se suicidar. Aos 27 está bom, não precisa esperar os 30, são acordes demais para se aprender em 3 anos. Não, não se mate, dá para tocar um blues básico com três acordes. Bang. Tarde demais.

A afirmação do segundo item também é uma besteira com tamanho, pois equivale a dizer que um autor não pode escrever peças de ficção. Um escritor teria, então, que ser autobiográfico. Ficção, nem pensar. Seja real, tenha “credibilidade”, escreva sobre aquilo que viveu. E mais ainda, se ficar velho, pare de escrever/cantar suas músicas/livros antigos, pois não correspondem mais à sua realidade. Clapton, não cante mais “Cocaine”, lembre-se do que prometeu ao renomado médico da clínica na Flórida. Cante blues dos anos 20, mas leia a letra antes, apenas por garantia. No limite (no limite mesmo), autores de livros de ficção-científica jamais teriam “credibilidade”. Aposto que H.G. Wells nunca viajou no tempo nem se encontrou com caranguejos gigantes. E os progressivos então, como ficam nessa história?

Nosso ex-monarca, Roberto Carlos, tem “credibilidade” e atendeu aos dois itens: trocou a jovem-guarda por música-para-senhoras (item 1, opção menos radical, infelizmente), e não canta mais que quer que tudo o mais vá para o inferno, porque agora ele é religioso (item 2) e o inferno é uma brasa, mora? Gente desse tipo tem mania de proibir livros sobre sua pessoa. Só faltou a Noite dos Cristais em algum transatlântico.

Morrisey disse uma vez, acho que nos anos 80, que os Rolling Stones (a banda, não a revista) “não saíam do caminho”. Será que ele pediu licença, empurrou, desviou, pegou um atalho, ou foi simplesmente chorar as mágoas num pub qualquer de Madchester, esquecendo-se que “you can't start a fire worrying about your little world falling apart”? E hoje em dia, teria ele desejo de que alguma banda nova falasse o mesmo sobre ele? “Morrisey, saia do caminho!”. É mais provável que seja o vizinho de sua mansão, pedindo-o para retirar o Jaguar da frente da garagem.

Qualquer um que já se cansou das bandas-de-rock-com-credibilidade não concorda com os ditos mitos. Nada como um disco novo do Bob Dylan. Nada como um bom músico que dá um tempo de sua banda de 20 anos e lança um trabalho autoral. Nada como Neil Young, sempre, com qualquer idade. Viva as rugas que tornam as cordas vocais mais ásperas e os dedos mais calejados. E viva a criação de uma nova realidade, de uma outra paisagem. Mas é claro que escrever sobre aquilo que viveu não faz mal nenhum. Uma coisa não exclui a outra. João & Lúcia no céu com diamantes. João negou, jogou a culpa no filho, coitado do Julian, não podia nem desenhar em paz. Por outro lado, Dylan não viveu “Like a Rolling Stone” (a música, não a banda, nem a revista). Mas pode ter presenciado a cena. Ou pode ter criado a história. Isso não faz mesmo a menor diferença.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Phil Spector (Nova Iorque, EUA)



O texto reproduzido a seguir trás de volta à vida um artigo perdido no tempo, publicado originalmente nas Seleções do Reader’s Digest de maio de 1966. Reflexão sociológica-básica sobre o tão caro tema chamado rock’n’roll que, de tabela, mostra os passos iniciais de Phil Spector, mais um dos grandes astros do setor produtivo mundial. Não cabe aqui um resumo biográfico de Phil “Wall of Sound” Spector, pois o Música Folk! exige como pré-requisito a disciplina Cultura Pop I, disponível em centenas de sites disseminados pela Internet.

Hoje em dia, os exemplares de Seleções são uma mistura de Caras com pretensões literárias e pauloscoelhos escrevendo compêndios médicos para hipocondríacos. Mas não era assim há alguns anos. Roubei/herdei a coleção (quase) completa. Os artigos eram ótimos. Os textos do período final da segunda guerra, 1944/1945, são fantásticos. É verdade que já naquela época transbordava a propaganda pró-americana, mas isso não faz a menor diferença. Afinal, Bruce Springsteen também é meio desse jeito, não? Ou muito pelo contrário? (com certeza The Boss não atende à Lei Millôr). Born in the USA era tudo o que importava. Ou melhor, Born in the E.E.U.U., como era chamado o país dos ianques à época. Que diabos é isso de E.E.U.U.? Cartas para a redação. Não vale olhar no Google. Na época, o Capitão América fazia um esforço (recompensado) para salvar o mundo. Hoje faz esforço para destruí-lo. Confesso que prefiro a primeira opção. Sou um pacifista convicto, do tipo que adoraria viver pegando onda na costa californiana e tocando guitarra na banda de Chris Isaak.

Alguns artigos bem interessantes, pinçados da coleção sem nenhum critério definido:

Dezembro de 1957: “Iraque: Terra da Esperança”. Isso é que é revista com visão de futuro: “Há um país árabe no Oriente Médio que é decididamente a favor do Ocidente. É um país subdesenvolvido, mas que está progredindo graças a esforços e recursos próprios. Só pede ao Ocidente orientação e assistência técnica...”. Acho que os problemas todos começaram a explodir a partir desse negócio de “orientação e assistência técnica”.

Novembro de 1960: “A Verdadeira História do U2”. Estranhamente, não falaram nada sobre o Bono Vox.

Novembro de 1961: “Cuidado com o Sol!”. Isso é que é revista com visão de futuro: “Já é tempo de os médicos iniciarem uma campanha educativa sobre os efeitos prejudiciais da exposição ao excesso de sol e de preconizarem o uso de preparados que afastem o envelhecimento prematuro da pele e o câncer”. Protetor solar naquela época chamava “preparado”. Já se sabia de tudo em 1961. E porque, então, minhas dermatologistas particulares demoraram tanto a me avisar sobre isso? Quem nunca torrou no sol sem proteção que atire o primeiro Nívea 50 Fator Azul (com a Gisele junto).

Julho de 1962: “Cigarro e câncer de pulmão: o que se sabe de novo”. Exceto pela questão do fumo passivo, já estava tudo lá. E é inacreditável para os padrões mercantilistas atuais o que a revista colocou, em destaque, em um quadro no centro da página:

"Propaganda de Cigarros:
Seleções do Reader’s Digest não encontra mais razão alguma para duvidar de que cigarros são nocivos à saúde dos fumantes. O presente artigo constitui importante acréscimo ao conjunto de provas que nos conduziram a essa conclusão.
...
Nessas circunstâncias, e enquanto elas perdurarem, achamos desarrazoado continuar a aceitar anúncios que visam a estimular o uso de cigarros. Assim sendo, estamos avisando os nossos anunciantes sobre essa nova orientação, que começará a ser aplicada após o vencimento dos contratos publicitários em vigor."

E isso em 1962!!!!

Março de 1989: “O que está acontecendo com o clima?”. Opa, salto no tempo. Eu não sabia que o aquecimento global e o efeito estufa já eram de conhecimento geral desde 1989. Desse jeito não há calota polar que resista.

Não compro nem assino Seleções. Hoje, seu marketing é ortodoxo demais. Pacotes imensos com aparência alqaediana são enviados para sua casa, dizendo que o destinatário (com seu nome lá) ganhou a primeira etapa de um concurso sinistro, que você nem lembrava ter se inscrito, e se preencher um formulário com todos os seus dados e assinar Seleções por 50 anos, ganharás prêmios inimagináveis para um reles leitor mortal, talvez até uma virgem para cada ano de assinatura. Pessoalmente, acho que melhorar a qualidade dos atuais artigos seria mais efetivo. Vamos torcer para que o povo atual de Seleções “let the good times roll” novamente, como sugeriu Mr. Ocasek em um dia inspirado.

Não tenho as últimas informações, mas o velho Phil, dedicado colecionador de armas como todo americano normal, anda matando gente por aí. Não o chamem para produzir seu CD, pois além de perigoso, ele dá azar. John Lennon e quase todos os Ramones morreram algum tempo após terem seus álbuns produzidos por Phil.

Então, aí vai o texto. É condensado do Times, pois a revista sempre teve essa propensão a leite moça. O artigo é de autoria de James A. Michener (Prêmio Pulitzer de 1948 - http://en.wikipedia.org/wiki/James_A._Michener), e indiretamente prepara os leitores para a aceitação sem contestação, que levará ao estabelecimento da indústria pop. Bons meninos e meninas, alguns deles ou delas poderão inclusive participar impunemente de comerciais de cerveja ou refrigerante. Faltou prever que Phil, começando como juiz de concurso de rock estudantil, acabaria seus dias condenado a produzir uma versão hardcore de Jailhouse Rock. Afinal, os E.E.U.U. não são o país da impunidade, e lá os bambas-do-pop e os bispos evangélicos não têm em geral o mesmo destino dos senadores brasileiros.
(interessante a lembrança agora da música de nosso ministro: “... no país da fantasia, um estado de euforia, universo paralelo ...”. Eu moro bem próximo do Universo Paralelo, no centro do País da Fantasia. O Estado de Euforia está rigidamente delimitado pelas fronteiras do referido Universo. Não vou requerer o visto. Pegaram a besta do apocalipse conversando no telefone. A besta atende à Lei Millôr em toda a sua extensão. Ganha um CD do estado-de-sítio quem adivinhar o final da história).

Não Condenem o "Rock'n'Roll"

James A. Michener

Condensado do suplemento dominical do Times, de Nova Iorque
Texto de Seleções do Reader’s Digest, maio de 1966


Quando St. John Terrel, meu vizinho e proprietário do Music Circus, um teatro de lona em Lambertville, no estado de New Jersey, me pediu para fazer parte do júri que julgaria os finalistas do campeonato americano de rock’n’roll organizado por ele, julguei que estivesse louco.
- Imagine! Exclamou ele, persuasivo. Você ficará entre Cousin Brucey e Phil Spector, e decidirá com eles o futuro da música americana.
- Quem é Cousin Brucey?
- Quer dizer que você não gosta de rock? Perguntou Terrel. Ainda não ouviu Bruce Marrow, uma das forças mais significativas na atual oligarquia da música? Quer dizer...
- Está bem. Mas quem é Phil Spector?
O olhar, dessa vez, foi de piedade. Terrel foi buscar um artigo de jornal com o retrato de um rapaz de cabeleira cumprida, roupas requintadas e uma das fisionomias mais argutas que já vi nos últimos anos. O artigo dizia que ele ficara várias vezes milionário só com a venda de seus discos à nova geração.
O quarto membro do júri seria o desenhista Harry Haenigsen, um “quadrado” que estaria vestido comumente e com quem eu poderia pelo menos falar, enquanto Cousin Brucey e Phil Spector estivessem se comunicando com os jovens. Aceitei o convite, e com isso ingressei em um mundo fascinante.
Comecei com aquela informação esparsa que todo adulto tem do rock’n’roll. Conhecia os Beatles, Elvis e o quinteto de Dave Clark. Não era inteiramente “quadrado”, mas tampouco era um aficcionado. Quando a nova música era bem tocada, eu gostava. E como romancista, fascinavam-me os aspectos sociológicos que acompanham a nova mania da juventude: os cabelos longos, a elegância antiga de rapazes que normalmente a repeliriam, a gíria, o fenômeno dos gritos dos adolescentes e, mais importante, o elemento de protesto.
Foi numa tarde de calor sufocante que compareci para a primeira eliminatória. Para espanto meu, mais de 400 conjuntos de todos os cantos do país tinham-se inscrito, e 88 foram escolhidos para se apresentarem em Lamberville para a triagem inicial. O conjunto vencedor receberia 1.000 dólares, apareceria num programa de TV, teria a oportunidade de gravar um disco, o que é um bom começo para quem quer ingressar no profissionalismo.
À medida que as bandas chegavam e tiravam das bagagens seus apetrechos, tive outro choque. Eu estava esperando grupos de quatro ou cinco músicos com guitarras, talvez um trombone e uma bateria. Little Caesar e os Romanos, de Lewiston, Maine, provaram-me o meu engano. Cinco rapazes chegaram em um carro, seguidos por um caminhão do qual retiraram uma dúzia de grandes alto-falantes eletrônicos, cinco amplificadores, quatro microfones e, além de um órgão que teve de ser carregado por quatro homens, dezenas de metros de fio eletrônico especial.
Perguntei a Ronald Poulin, rapaz de 16 anos que é o líder do grupo, quanto dinheiro o grupo tinha investido nesse equipamento. Calculo que mais de 5.000 dólares. Tudo isso tinha sido pago com o dinheiro que esses cinco rapazes – o mais velho com 18 anos – tinham ganho tocando em night clubs e festas de aniversários, casamentos e nos concertos de rock’n’roll que se realizavam toda sexta-feira à noite na cidade de Lewiston, aos quais compareceram regularmente 1.500 jovens.
Todos os componentes do grupo de Poulin estudaram música e podem tocar quatro ou cinco instrumentos. “Uma das coisas boas a respeito do nosso grupo é que nenhum dos rapazes jamais esteve metido em complicações com a lei”, informou-me Poulin. “Todos nós pretendemos terminar o curso secundário”.
Enquanto eu observava os conjuntos abrirem a bagagem, adquiri duas impressões que guardo até hoje. Em primeiro lugar, os rapazes que se dedicam a essa alucinante e apaixonante forma de arte são acima da média no que se refere a aparência física, limpeza, simpatia e bons modos. Mesmo aqueles que usam trajes estapafúrdios (os “Prophets” vestiam togas e usavam sandálias de couro com tiras cruzadas até os joelhos, ao passo que os Monkey Men tocavam dentro de uma jaula) eram ordeiros e simpáticos.
Em segundo lugar, o instrumento musical em si parece ser menos importante do que os sistemas eletrônicos que reproduzem o som por ele emitido e o transmitem em pleno volume ao ouvinte. Se – e foi o que ocorreu durante as finais – falha o sistema elétrico, a música dessa geração fica reduzida a um murmúrio insignificante.
No primeiro dia, 43 bandas competiam. Foram dispostas em um enorme círculo contornando a parte externa da arena, e a comissão julgadora ficou sentada no centro do teatro. Nos cinco minutos antes de se iniciarem as competições, cerca de 200 músicos, cada qual com seu amplificador a todo volume, passaram em revista pela última vez seus problemas individuais. Foi a cacofonia total, metálica, estridente, o som de nossa época. Atingiu-me de todos os lados, vindo de uns 400 amplificadores, e foi a sensação mais próxima de ruído total que já experimentei. Confesso que gostei.
Nas canções de rock’n’roll – se é que podem ser chamadas de canções – notei o advento marcante das chamadas músicas “de protesto”. Numa delas, os músicos lamentam o destino do mundo: mesmo que se solucionem os problemas do Vietname, ainda restarão Selma e Alabama. Outra canção, aplaudida com entusiasmo, conta que um rapaz não fora aceito na escola por que tinha o cabelo comprido demais. Terrel explicou-me: o rock casou-se com a música folclórica e deles nasceu o protesto“.
No dia das finais, conheci finalmente Cousin Brucey, um disc jockey alto, bonito e culto. Tem um jeito especial de lidar com os jovens, que enchiam o recinto do teatro e se referiam constantemente aos seus programas de rádio e televisão, os quais parecem ter um enorme impacto na nova geração americana.
Pouco antes tínhamos tido ocasião de constatar a influência de um disc jockey. Terrel arriscara uma quantia vultuosa mandando buscar os Righteous Brothers, na esperança de que eles atraíssem um grande público, mas a venda de bilhetes estava muito fraca. Um especialista no assunto lhe perguntou se ele tinha anunciado.
Em resposta, Terrel enumerou uma lista de jornais. O outro se mostrou espantado. “Jornais? O público que vem ouvir os Righteous Brothers nunca lê. Anuncie pelo rádio!”.
Terrel telefonou então para um disc-jockey, que fez um rápido comentário sobre o espetáculo dizendo que todos os seus ouvintes realmente entendidos estavam comparecendo ao Music Circus para ouvir os “maiorais”. Dentro de poucas horas, a lotação estava esgotada.
Em determinado ponto do diálogo entre Bruce e seus fãs, um deles lhe perguntou:
- Cousin Brucey, diz aqui que a presença conta ponto. O que é exatamente presença teatral?
Cousin Brucey pensou um instante, depois apontou um espantoso rapaz que vinha vindo pelo palco e exclamou:
- Aí está uma presença!
Era Phil Spector, de 24 anos, o rei do rock’n’roll. Usava um traje fim-de-século com as calças mais justas que eu já vira (explicou um concorrente: “nós dizemos, Sr. Michener, que se é possível botar as calças quando já se está de sapatos, nem as calças nem os sapatos merecem ser usados”).
Spector vestia também uma camisa de renda branca como as dos gentis-homens do século XVII, com enormes babados nos punhos, botinas de bico pontiagudo e saltos sete e meio. Seus cabelos eram tão longos que pareciam uma peruca caindo-lhe sobre os ombros e lindamente enrolados. A moçada delirou.
Na arena do júri, Spector me disse:
- Preste atenção na voz. Quanto mais o cantor conseguir comunicar-se com a platéia e entusiasmá-la, maiores são as chances que o conjunto tem de vencer.
- E o que mais conta além da voz?
- Um ritmo total. Se há ritmo total, o grupo pode vencer.
Logo se tornou evidente que a vitória caberia ou aos cabeludos e espertos Rockin’ Paramounts ou aos contidos mas retumbantes Galaxies IV. Os Galaxies tinham o som mais duro, mais metálico de todos os conjuntos que competiram, além de um ritmo desenfreado e de um vocalista de voz possante. Tinham criado uma maneira de encerrar cada número com uma coda em que tempo, frenesi e volume se aceleravam juntos. Foram eles os vencedores – um veredicto popular.
As impressões que guardei do campeonato são variadas. Cheguei à conclusão de que gosto de rock’n’roll como música da mesma maneira que gosto de pimenta na comida: não diariamente, mas de quando em quando é muito estimulante. Gosto em especial dos jovens que fazem esse tipo de música. Lon Van Eaton, de 17 anos, líder dos Trees de Trenton, foi o meu preferido. Lou estudou música, toca guitarra, clarineta, contrabaixo, saxofone, oboé, fagote, gaita, corne inglês e flauta. Diz ele de seu grupo: “Procuramos ser polidos e cultos e creio que vou entrar para a universidade. Se me formar, será graças ao dinheiro ganho com a música”.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Rádio Cultura FM 100,9 MHz (Brasília - DF)




Quem tem, digamos, uns 38 anos ou mais e morava no Rio de Janeiro em 1982 lembra-se perfeitamente do que foi a Rádio Fluminense-FM, a “maldita”, e do que ela representou para a música brasileira. Na época, foram lançados pela rádio aqueles grupos-que-não-é-necessário-citar-o-nome. Se não conhece, nunca ouviu falar, chegou agora da Venezuela, uma boa fonte de pesquisa é o livro do Luiz Antônio Mello, “A Onda Maldita: como nasceu e quem assassinou a Fluminense FM”. Para quem prefere televisão, informo que quem assassinou a Fluminense, segundo o autor, foram as gravadoras e as agências de publicidade. Com relação à Suprema Impunidade Nacional, as gravadoras já são penalizadas pela excelentíssima juíza chamada Internet e por milhões de incansáveis bucaneiros, paraguaios ou não. Quanto às agências de publicidade...

A história somente se repete como farsa, como disse Karl. Na época dele ainda não existia a CBN, mas isso não importava, pois ele tinha mais o que fazer. E em 1982 não existiam Internet, MP-3, Orkut, YouTube, MySpace, gravadores digitais, Pro-Tools. Não existiam guitarras chinesas de 300 reais. Não existia nem o Real. Existia um negócio chamado fita de uma polegada, na qual a música era mixada após a gravação e passada para um outro negócio chamado fita cassete de cromo. Poucos tinham dinheiro para comprar a tal fita de uma polegada, então elas pertenciam aos estúdios, e cada fita era usada na gravação de umas 300 bandas. Gravou, mixou, fita de uma polegada, fita cassete, fita de uma polegada apagada. Se o músico mudasse de idéia, sinto muito, grava de novo. Masterização? De que se trata?

Então combinamos que a história não vai se repetir.

E chega 2007, de volta para o futuro. Após um período de oito anos mergulhada em trevas, a Rádio Cultura-FM (Brasília, 100,9 MHz) (http://www.sc.df.gov.br/paginas/radio_cultura_fm/cultura_fm.htm) volta com nova programação. Após o período negro, a primeira vez que sintonizei lá, isso neste ano ainda, quase não acreditei: era verdade, uma rádio com nova direção, com grandes músicas, e SEM jabá. Eclética, com músicas independentes ou não, sempre de nível excepcional. Posso agora deixar em casa a caixa com doze CDs e apertar o power do Pioneer sem receio algum, e parar o carro na escuridão sem medo de perdê-la, e o carro e os vidros estão segurados e a frente do cd-player é descartável. É a felicidade em freqüência modulada.

Dentre os diversos programas da nova rádio, destaca-se o Cult 22 (www.cult22.com), que está no ar desde que Elvis apertou a campainha da Sun Records pela primeira vez. O programa, que sobreviveu até mesmo à besta do apocalipse e às citadas trevas, “rock e pop sem discriminação”, brilha nas noites de sexta-feira para se ouvir antes de sair de casa, e para se ouvir no carro a caminho de algum lugar. Se possível, ouça também quando chegar lá. Em nossos corações e tímpanos também estão, entre outros, o Programa Senhor F (indie-rock), o Conexão DF (tudo sobre artes & ofícios em Brasília – o oásis radiofônico dos artistas daqui), e o Violas & Violeiros em seu retorno triunfal – existe programa mais folk do que esse? Acorde às seis da matina, se tiver coragem.

A história não vai se repetir, mas ela pode ser reescrita, pois letras de música não são livros de História do Brasil nem de História Geral. De preferência, acrescente no mínimo três acordes e alguma dose de emoção.

Em resumo, mandem suas fitas, digo, seus CDs independentes para lá, de qualquer estilo, ou mesmo aqueles que não tiverem estilo algum. Com certeza serão, no mínimo, ouvidos com o respeito que merecem. E, quem sabe, talvez até entrem na programação da Rádio Cultura-FM, Via N2, anexo do Teatro Nacional Cláudio Santoro, Brasília-DF, CEP 70.070-200, e-mail: cultura.fm@terra.com.br . É isso. (A) (O) melhor (-) (do) rádio do Brasil está de volta. We salute you!

Fernando Brasil (Brasília-DF)





Fernando Brasil é o cantor, violonista e gaitista do duo folk The Green Folkies, junto com o violinista Flávio Pennachio. A banda bitter-sweet tem cadeira cativa, ou palco cativo, todos os sábados no Pata Negra, a embaixada gastronômica espanhola de Brasília (a quem se interessar: 413 sul).

Mas a história de Fernando na seara musical começa bem antes, na década de noventa, como baixista do Tenente Mostarda. Com o fim da banda e após um período na Europa tocando em metrôs londrinos e praias gregas, o músico retorna ao país em 2001 e decide formar uma nova banda: o Phonopop (http://www.phonopop.net/), que em sua primeira versão era composto por Fernando, Fernando e Fernando. Ou seja, somente ele mesmo. Grava seu primeiro EP, “Phonopop”, nesse mesmo ano, com 4 faixas e a produção e participação de Philippe Seabra, da Plebe Rude (detalhe: esse EP foi a primeira produção do Philippe após voltar dos EUA, o protótipo. Hoje, 6 anos depois, ele é um dos mais atuantes e respeitados nomes do setor produtivo nacional). Outros músicos aderem à banda, como o guitarrista Jú, o tecladista Daniel Cariello e o baterista Bruno Daher. Em 2003 sai o segundo EP, com 6 músicas (prêmio de melhor demo de 2003, no 3º Indie Destaque, promovido pelo selo Midsummer Madness). Em 2005 o Phonopop lança o primeiro CD, “Já não há tempo”, como contratados do selo T-Rec/Indie Records. Em 2006, seu segundo EP, “Comendo Vidro”, com apenas duas músicas e preparatório para o futuro segundo CD, atualmente em fase de composição.

Existem diversos clichês insuportáveis assombrando a palavra “pop”: “pop perfeito”, “pérolas pop”, “pop ensolarado”. Pobres bandas que recebem sobre seus ombros tais rótulos-adjetivadores, algumas nem merecem. Teria então o prefixo “Phono” o poder de neutralizar tal maldição? Sim, pois Fernando Brasil não é Gisele Bundchen, não é uma ostra, e sua música não acarreta danos dermatológicos a longo prazo. O “pop” de Fernando pode ser tudo, menos “ensolarado”. Bandas ensolaradas provocam envelhecimento precoce. Sua música é nublada, introspectiva, perspicaz. Como os clássicos de Paul Weller e Ray Davies.

Fragmento (Fernando Brasil)

Estão ali, imóveis, a imagem e você:
“Por que você não diz nem por um momento
se eu tentar, faço assim valer
a nossa vontade no final"?
O seu olhar não sai da fotografia:
”Por que você não diz, nem por um segundo,
sem errar, eu quero ser
tudo o que você é para mim”!

Vou, como um trem sem parar
Já não tenho mais freios para te esperar
Vou, sigo em frente, quem sabe
o que o medo faz com a gente, afinal?


Cantor de voz privilegiada, em 2007 Fernando funda também a banda Invasão Britânica (êta sujeito incansável), com o baterista Txotxa, o guitarrista Jú e outros músicos. O Invasão toca, é claro, músicas britânicas, em especial as da década de 60. O “Dia D” ocorre quinzenalmente às terças-feiras, no Pub O’Rilley, nossa normandia de plantão (por falar no Txotxa, para quem se interessar pela arte da bateria, bateristas famosos e ritmos em geral, ele tem um blog fantástico: http://www.txotxa.blogspot.com/).

Momento hardware: Fernando é o feliz dono de um set up capaz de fazer inveja a qualquer músico: um amplificador Vox “Beatle” AC-30, um baixo Epiphone “Paul McCartney” Viola Bass, uma Gibson ES-335, uma Rickenbacker “John Lennon” e um violão Epiphone “John Lennon” (faltaram a Gretsh Country Gentleman e a Epiphone Casino! Que vergonha, rapaz...). Por que será que ele fundou uma banda chamada “Invasão Britânica”?

E agora, Fernando Brasil? Tanto quanto o rock, agora o folk entrou em suas veias, admita, e lá seu talento também explode de forma ampla e cristalina. Para onde o futuro te levará?

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Júlia Debasse (Rio de Janeiro)





















Júlia Debasse é uma nova (nova mesmo: 21 anos) cantora e compositora do Rio de Janeiro. Compondo sozinha ou com a parceria de Sérgio Diab, Júlia gravou doze músicas, todas disponíveis para download em seu site (www.juliadebasse.com.br).
Como diz o curto release, “em tempos de DJs e atitude, Júlia Debasse define-se somente por suas canções. O simples fato de ter algo a dizer é o que motiva a música, distorce as guitarras e aquece a voz”.
As músicas de Júlia Debasse são o registro de uma das cantoras mais interessantes surgidas na cena independente nos últimos tempos. Base pesada, as músicas são costuradas de forma brilhante pela guitarra-e-amp-válvulas-derretendo de Sérgio Diab. Voz forte, mixada na frente, Sheryl Crow dos primeiros discos, if it makes you happy, Rita Lee na época em que o fruto era proibido e os jardins continuavam suspensos. Distante de modismos, Júlia é clássica, no melhor sentido da palavra. E as letras? Aqui vai um exemplo:

Os Meios e os Fins (Debasse/Diab)

O Homem faz de tudo para alimentar sua desgraça
Mata e morre de fome, constrói casas já mal-assombradas
O medo brota à pele, pálido como um lírio branco
O coração empalidece e se dilata em espanto

Há um homem lá fora, gentilmente quebrando relógios
A indiferença é um vírus, criado em laboratório
Cemitérios de anjos, milhares de estátuas de sal
Um espantalho em chamas se ergue no milharal

Você pode até dizer que não é bem assim,
Mas se lembre que os seus meios
Justificarão o seu fim

Você encrava os dentes de ouro numa pequena fruta de cera,
Mas é bem real o sangue que escorre de sua boca estreita
O amanhã podia ser o que você queria que ele fosse
Pense nisso e não forre os azulejos com o jornal de hoje

Os jogos do Coliseu já são televisionados
Um abutre pra lamber as feridas de todo coitado
Macedo é um bispo mercante, ele se compadece
Os políticos debatem com a boca cheia de confete

Você pode até dizer que não gosta de mim
Mas se lembre que os seus meios
Justificarão o seu fim

Nessa letra, pelo menos dois achados: “a indiferença é um vírus, criado em laboratório”; e “O amanhã podia ser o que você queria que ele fosse / Pense nisso e não forre os azulejos com o jornal de hoje”. Sim, com certeza não forraremos.

Júlia também é pintora, e suas telas podem ser visualizadas no site. É contratada do selo do Beni, ex-baterista do Kid-Abelha e autor de vários sucessos do início do grupo, a maioria junto com Leoni, ex-baixista-e-atual-carrera-solo. Beni é o chefão e guru do selo Psicotrônica (www.psicotronica.com.br), que tem em seu cast, além da Júlia, Cris Braun, Diab (também guitarrista da banda de Toni Platão), Humberto Barros (tecladista do Kid Abelha), Picassos Falsos e Tuia Lencione. O selo foi um dos vetores responsáveis pelo estouro-local-no-letras-e-depressões do Toni Platão, seu ex-contratado e que agora almeja vôos (talvez) maiores.

Concordo total e plenamente com o manifesto da Psicotrônica, que reproduzo abaixo:

“O Manifesto:
A indústria do disco enfrenta a pior crise da sua história. As vendas em queda livre, os formatos em transição, o rádio agoniza e um público jovem cresce avesso à idéia de comprar CDs. Para os investidores, o futuro pode parecer extremamente incerto e sombrio para a música popular. Para nós da Psicotrônica, música é uma necessidade vital, uma escolha existencial, mesmo que nesse momento represente um investimento de risco. Fazemos música porque acreditamos no poder de comunicação de idéias através de canções. Fazemos música porque acreditamos que canções podem transmitir mensagens, causar impressões, promover revoluções. Fazemos música porque acreditamos (suprema pretensão) que a música pode mover o mundo, porque a arte muda consciências. A crise do mercado de hoje não nos assusta, porque estamos nesse negócio empenhados em criar a demanda do futuro. Rejeitamos completamente a empurro-terapia do marketing selvagem, que quer criar no público, a golpes milionários de investimento em mídia, interesse por produtos intrinsecamente desinteressantes. A realidade não é adversa à música, ela simplesmente se opõe a um modelo de negócio ultrapassado. A crise existe porque a indústria parou de ouvir a voz das ruas, se concentrando na criação de “artistas” de laboratório, programados pelas pesquisas de mercado, filhotes dos egos inflados de marqueteiros pseudo-criativos. O disco pode estar nas últimas , mas a música vai muito bem, obrigado. Nunca se ouviu tanta música diferente (graças à Internet), nunca se viu tanta música ao vivo. Por isso, a Psicotrônica se lança ao trabalho confiante no futuro da indústria da música. Acreditamos no valor eterno de canções que têm idéias e substância, que representam a realidade da experiência pessoal, música que desafia as obviedades. Acreditamos na voz única e individual do artista, não em franchises baseados em belas estampas e num amontoados de palavras que rimam. Acreditamos que as mudanças nos produtos, no consumo e na distribuição de música, representam novas oportunidades e desafios artísticos e comerciais, que devemos considerar com destemor. Queremos construir carreiras e repertórios. Elaborados com a paciência de um disco após o outro, um show após o outro, ano após ano, “tijolo após tijolo num desenho lógico”. Aplaudimos os que se propõem a preservar a extraordinária tradição da música popular brasileira, mas queremos fazer parte dessa história buscando o novo, as vozes que cantam hoje, que falam desses dias. Na nossa missão de acreditar na relevância da produção atual da música brasileira , não há preferência de gênero. Nomes tão díspares como Martinho da Vila e Renato Teixeira, Renato Russo e Roberto Carlos, Noel Rosa e Chico Science simbolizam, cada um à sua maneira, os valores artísticos de criatividade e individualidade, que buscamos promover. Neste momento, em que a música sofre um racionamento radical de inteligência, nós da Psicotrônica queremos propor outras direções para a música popular brasileira à altura das suas tradições. Muita pretensão? Com certeza... Mas não foi de despretensão em despretensão que nós chegamos neste estado de coisas?”

E temos dito.


Amú (Rio de Janeiro)










Amú (www.amuweb.com) é José Renato da Costa, guitarrista, compositor e cantor. Nasceu no Rio de Janeiro e mudou-se aos 11 anos para Brasília, onde foi contaminado de forma instantânea pela febre que assolava a capital federal à época: o famigerado rock dos anos 80. Nos anos 90, participou de algumas bandas underground como guitarrista, entre elas o Tenente Mostarda, que participou de três coletâneas e teve seu clipe veiculado na antiga televisão-que-passava-vídeo-clipes-e-hoje-prefere-programas-de-auditório chamada MTV (pronuncia-se emitíví). Hoje, chama-se TST (pronuncia-se tíesstí, Talk Show Television). Curiosidade: do Tenente Mostarda saiu o baixista (hoje guitarrista) Fernando Brasil, para fundar o Phonopop. Em 2000, Amú, já guitarrista experiente, decide voltar a morar no Rio de Janeiro. Os motivos? Um deles, sua opinião sobre as poucas possibilidades da aplicação de acordes dissonantes no pop/rock. Outro, sua música já se aproximava demais e de forma irreversível da MPB sofisticada, de harmonias ricas e complexas, e o Rio de Janeiro parecia, historicamente, o lugar ideal para se fazer esse tipo de música. Começou tocando em diversas jam sessions, apenas como guitarrista, e depois formou um trio que percorria o circuito de bares da cidade. Em 2001, iniciou os estudos de técnica de gravação e produção fonográfica com o produtor Mayrton Bahia. Em 2003, venceu o primeiro Guitar Player Festival, realizado em São Paulo, e foi elogiado pela revista americana Guitar World. No ano de 2005 abriu seu próprio estúdio de gravação e masterização, o Estúdio 3 Luas.

Bom, agora é que a história começa a ficar emocionante. O primeiro CD, “Amú”, com 11 faixas e gravado em seu próprio estúdio, fica pronto em meados de 2005. Surpreende muita gente, pessoas já acostumadas com o mega-guitarrista, mas não com a novidade do Amú-cantor. Suas novas composições misturam a sonoridade clássica do violão de nylon, as harmonias bossa-nova e, de repente, uma guitarra-fuzz faz Chico Buarque abraçar Jimi Hendrix nas águas tépidas do mar do Leblon.

As letras têm como base o universo da MPB, fugindo léguas do atual nonsense banal das bandas de rock-adolescente (não conectando a palavra “adolescente” com a idade do sujeito). Uma vez, há anos, Amú ouviu a famosa frase-chavão, não sei o autor, que dizia que “o rock não deve se levar a sério”, ou “o rock não deve ser sério”, ou alguma bobagem do tipo. Obviamente, percebeu o equívoco da coisa. Em seu rápido processo de evolução, comum a tantos outros músicos, Amú está feliz.

Um Beijo e Até (Amú)

Vai e segue o teu rumo,
Que é tão longe de mim
Pode crer que sim
Basta olhar em volta para ver
Que a gente quando muito combinava
Não tinha nada a ver

Você me usou
E eu te usei também
Sem saber por que
Sem saber a quem
Nós enganaríamos nesse jogo
Tão louco e cujas regras
Mudam pouco a pouco

Você não é quem eu pensei
Não pense que eu não sei
Quem tu és
A vida ensina
E hoje eu aprendi
Estou saindo fora
Um beijo e até

Leve as poucas lembranças
Que insistimos em criar
E em nenhum de nós
Chegou a acreditar
Leve também o medo
Nosso grande aliado
E de todo amor já acabado.

Amú agora prepara seu novo CD, a ser lançado no final de 2007 ou início de 2008. Enquanto aguardamos com ânsia, é possível baixar todas as músicas e também a capa do CD anterior, no seu site.

Quanto à frase, se tivesse sido dito que “o rock deve se levar a sério”, isso também seria equivocado. Como entender?

terça-feira, 27 de março de 2007

Música Folk!

Os cantores/compositores independentes, suas músicas, letras e o que eles têm a dizer.