quinta-feira, 28 de junho de 2007

Phil Spector (Nova Iorque, EUA)



O texto reproduzido a seguir trás de volta à vida um artigo perdido no tempo, publicado originalmente nas Seleções do Reader’s Digest de maio de 1966. Reflexão sociológica-básica sobre o tão caro tema chamado rock’n’roll que, de tabela, mostra os passos iniciais de Phil Spector, mais um dos grandes astros do setor produtivo mundial. Não cabe aqui um resumo biográfico de Phil “Wall of Sound” Spector, pois o Música Folk! exige como pré-requisito a disciplina Cultura Pop I, disponível em centenas de sites disseminados pela Internet.

Hoje em dia, os exemplares de Seleções são uma mistura de Caras com pretensões literárias e pauloscoelhos escrevendo compêndios médicos para hipocondríacos. Mas não era assim há alguns anos. Roubei/herdei a coleção (quase) completa. Os artigos eram ótimos. Os textos do período final da segunda guerra, 1944/1945, são fantásticos. É verdade que já naquela época transbordava a propaganda pró-americana, mas isso não faz a menor diferença. Afinal, Bruce Springsteen também é meio desse jeito, não? Ou muito pelo contrário? (com certeza The Boss não atende à Lei Millôr). Born in the USA era tudo o que importava. Ou melhor, Born in the E.E.U.U., como era chamado o país dos ianques à época. Que diabos é isso de E.E.U.U.? Cartas para a redação. Não vale olhar no Google. Na época, o Capitão América fazia um esforço (recompensado) para salvar o mundo. Hoje faz esforço para destruí-lo. Confesso que prefiro a primeira opção. Sou um pacifista convicto, do tipo que adoraria viver pegando onda na costa californiana e tocando guitarra na banda de Chris Isaak.

Alguns artigos bem interessantes, pinçados da coleção sem nenhum critério definido:

Dezembro de 1957: “Iraque: Terra da Esperança”. Isso é que é revista com visão de futuro: “Há um país árabe no Oriente Médio que é decididamente a favor do Ocidente. É um país subdesenvolvido, mas que está progredindo graças a esforços e recursos próprios. Só pede ao Ocidente orientação e assistência técnica...”. Acho que os problemas todos começaram a explodir a partir desse negócio de “orientação e assistência técnica”.

Novembro de 1960: “A Verdadeira História do U2”. Estranhamente, não falaram nada sobre o Bono Vox.

Novembro de 1961: “Cuidado com o Sol!”. Isso é que é revista com visão de futuro: “Já é tempo de os médicos iniciarem uma campanha educativa sobre os efeitos prejudiciais da exposição ao excesso de sol e de preconizarem o uso de preparados que afastem o envelhecimento prematuro da pele e o câncer”. Protetor solar naquela época chamava “preparado”. Já se sabia de tudo em 1961. E porque, então, minhas dermatologistas particulares demoraram tanto a me avisar sobre isso? Quem nunca torrou no sol sem proteção que atire o primeiro Nívea 50 Fator Azul (com a Gisele junto).

Julho de 1962: “Cigarro e câncer de pulmão: o que se sabe de novo”. Exceto pela questão do fumo passivo, já estava tudo lá. E é inacreditável para os padrões mercantilistas atuais o que a revista colocou, em destaque, em um quadro no centro da página:

"Propaganda de Cigarros:
Seleções do Reader’s Digest não encontra mais razão alguma para duvidar de que cigarros são nocivos à saúde dos fumantes. O presente artigo constitui importante acréscimo ao conjunto de provas que nos conduziram a essa conclusão.
...
Nessas circunstâncias, e enquanto elas perdurarem, achamos desarrazoado continuar a aceitar anúncios que visam a estimular o uso de cigarros. Assim sendo, estamos avisando os nossos anunciantes sobre essa nova orientação, que começará a ser aplicada após o vencimento dos contratos publicitários em vigor."

E isso em 1962!!!!

Março de 1989: “O que está acontecendo com o clima?”. Opa, salto no tempo. Eu não sabia que o aquecimento global e o efeito estufa já eram de conhecimento geral desde 1989. Desse jeito não há calota polar que resista.

Não compro nem assino Seleções. Hoje, seu marketing é ortodoxo demais. Pacotes imensos com aparência alqaediana são enviados para sua casa, dizendo que o destinatário (com seu nome lá) ganhou a primeira etapa de um concurso sinistro, que você nem lembrava ter se inscrito, e se preencher um formulário com todos os seus dados e assinar Seleções por 50 anos, ganharás prêmios inimagináveis para um reles leitor mortal, talvez até uma virgem para cada ano de assinatura. Pessoalmente, acho que melhorar a qualidade dos atuais artigos seria mais efetivo. Vamos torcer para que o povo atual de Seleções “let the good times roll” novamente, como sugeriu Mr. Ocasek em um dia inspirado.

Não tenho as últimas informações, mas o velho Phil, dedicado colecionador de armas como todo americano normal, anda matando gente por aí. Não o chamem para produzir seu CD, pois além de perigoso, ele dá azar. John Lennon e quase todos os Ramones morreram algum tempo após terem seus álbuns produzidos por Phil.

Então, aí vai o texto. É condensado do Times, pois a revista sempre teve essa propensão a leite moça. O artigo é de autoria de James A. Michener (Prêmio Pulitzer de 1948 - http://en.wikipedia.org/wiki/James_A._Michener), e indiretamente prepara os leitores para a aceitação sem contestação, que levará ao estabelecimento da indústria pop. Bons meninos e meninas, alguns deles ou delas poderão inclusive participar impunemente de comerciais de cerveja ou refrigerante. Faltou prever que Phil, começando como juiz de concurso de rock estudantil, acabaria seus dias condenado a produzir uma versão hardcore de Jailhouse Rock. Afinal, os E.E.U.U. não são o país da impunidade, e lá os bambas-do-pop e os bispos evangélicos não têm em geral o mesmo destino dos senadores brasileiros.
(interessante a lembrança agora da música de nosso ministro: “... no país da fantasia, um estado de euforia, universo paralelo ...”. Eu moro bem próximo do Universo Paralelo, no centro do País da Fantasia. O Estado de Euforia está rigidamente delimitado pelas fronteiras do referido Universo. Não vou requerer o visto. Pegaram a besta do apocalipse conversando no telefone. A besta atende à Lei Millôr em toda a sua extensão. Ganha um CD do estado-de-sítio quem adivinhar o final da história).

Não Condenem o "Rock'n'Roll"

James A. Michener

Condensado do suplemento dominical do Times, de Nova Iorque
Texto de Seleções do Reader’s Digest, maio de 1966


Quando St. John Terrel, meu vizinho e proprietário do Music Circus, um teatro de lona em Lambertville, no estado de New Jersey, me pediu para fazer parte do júri que julgaria os finalistas do campeonato americano de rock’n’roll organizado por ele, julguei que estivesse louco.
- Imagine! Exclamou ele, persuasivo. Você ficará entre Cousin Brucey e Phil Spector, e decidirá com eles o futuro da música americana.
- Quem é Cousin Brucey?
- Quer dizer que você não gosta de rock? Perguntou Terrel. Ainda não ouviu Bruce Marrow, uma das forças mais significativas na atual oligarquia da música? Quer dizer...
- Está bem. Mas quem é Phil Spector?
O olhar, dessa vez, foi de piedade. Terrel foi buscar um artigo de jornal com o retrato de um rapaz de cabeleira cumprida, roupas requintadas e uma das fisionomias mais argutas que já vi nos últimos anos. O artigo dizia que ele ficara várias vezes milionário só com a venda de seus discos à nova geração.
O quarto membro do júri seria o desenhista Harry Haenigsen, um “quadrado” que estaria vestido comumente e com quem eu poderia pelo menos falar, enquanto Cousin Brucey e Phil Spector estivessem se comunicando com os jovens. Aceitei o convite, e com isso ingressei em um mundo fascinante.
Comecei com aquela informação esparsa que todo adulto tem do rock’n’roll. Conhecia os Beatles, Elvis e o quinteto de Dave Clark. Não era inteiramente “quadrado”, mas tampouco era um aficcionado. Quando a nova música era bem tocada, eu gostava. E como romancista, fascinavam-me os aspectos sociológicos que acompanham a nova mania da juventude: os cabelos longos, a elegância antiga de rapazes que normalmente a repeliriam, a gíria, o fenômeno dos gritos dos adolescentes e, mais importante, o elemento de protesto.
Foi numa tarde de calor sufocante que compareci para a primeira eliminatória. Para espanto meu, mais de 400 conjuntos de todos os cantos do país tinham-se inscrito, e 88 foram escolhidos para se apresentarem em Lamberville para a triagem inicial. O conjunto vencedor receberia 1.000 dólares, apareceria num programa de TV, teria a oportunidade de gravar um disco, o que é um bom começo para quem quer ingressar no profissionalismo.
À medida que as bandas chegavam e tiravam das bagagens seus apetrechos, tive outro choque. Eu estava esperando grupos de quatro ou cinco músicos com guitarras, talvez um trombone e uma bateria. Little Caesar e os Romanos, de Lewiston, Maine, provaram-me o meu engano. Cinco rapazes chegaram em um carro, seguidos por um caminhão do qual retiraram uma dúzia de grandes alto-falantes eletrônicos, cinco amplificadores, quatro microfones e, além de um órgão que teve de ser carregado por quatro homens, dezenas de metros de fio eletrônico especial.
Perguntei a Ronald Poulin, rapaz de 16 anos que é o líder do grupo, quanto dinheiro o grupo tinha investido nesse equipamento. Calculo que mais de 5.000 dólares. Tudo isso tinha sido pago com o dinheiro que esses cinco rapazes – o mais velho com 18 anos – tinham ganho tocando em night clubs e festas de aniversários, casamentos e nos concertos de rock’n’roll que se realizavam toda sexta-feira à noite na cidade de Lewiston, aos quais compareceram regularmente 1.500 jovens.
Todos os componentes do grupo de Poulin estudaram música e podem tocar quatro ou cinco instrumentos. “Uma das coisas boas a respeito do nosso grupo é que nenhum dos rapazes jamais esteve metido em complicações com a lei”, informou-me Poulin. “Todos nós pretendemos terminar o curso secundário”.
Enquanto eu observava os conjuntos abrirem a bagagem, adquiri duas impressões que guardo até hoje. Em primeiro lugar, os rapazes que se dedicam a essa alucinante e apaixonante forma de arte são acima da média no que se refere a aparência física, limpeza, simpatia e bons modos. Mesmo aqueles que usam trajes estapafúrdios (os “Prophets” vestiam togas e usavam sandálias de couro com tiras cruzadas até os joelhos, ao passo que os Monkey Men tocavam dentro de uma jaula) eram ordeiros e simpáticos.
Em segundo lugar, o instrumento musical em si parece ser menos importante do que os sistemas eletrônicos que reproduzem o som por ele emitido e o transmitem em pleno volume ao ouvinte. Se – e foi o que ocorreu durante as finais – falha o sistema elétrico, a música dessa geração fica reduzida a um murmúrio insignificante.
No primeiro dia, 43 bandas competiam. Foram dispostas em um enorme círculo contornando a parte externa da arena, e a comissão julgadora ficou sentada no centro do teatro. Nos cinco minutos antes de se iniciarem as competições, cerca de 200 músicos, cada qual com seu amplificador a todo volume, passaram em revista pela última vez seus problemas individuais. Foi a cacofonia total, metálica, estridente, o som de nossa época. Atingiu-me de todos os lados, vindo de uns 400 amplificadores, e foi a sensação mais próxima de ruído total que já experimentei. Confesso que gostei.
Nas canções de rock’n’roll – se é que podem ser chamadas de canções – notei o advento marcante das chamadas músicas “de protesto”. Numa delas, os músicos lamentam o destino do mundo: mesmo que se solucionem os problemas do Vietname, ainda restarão Selma e Alabama. Outra canção, aplaudida com entusiasmo, conta que um rapaz não fora aceito na escola por que tinha o cabelo comprido demais. Terrel explicou-me: o rock casou-se com a música folclórica e deles nasceu o protesto“.
No dia das finais, conheci finalmente Cousin Brucey, um disc jockey alto, bonito e culto. Tem um jeito especial de lidar com os jovens, que enchiam o recinto do teatro e se referiam constantemente aos seus programas de rádio e televisão, os quais parecem ter um enorme impacto na nova geração americana.
Pouco antes tínhamos tido ocasião de constatar a influência de um disc jockey. Terrel arriscara uma quantia vultuosa mandando buscar os Righteous Brothers, na esperança de que eles atraíssem um grande público, mas a venda de bilhetes estava muito fraca. Um especialista no assunto lhe perguntou se ele tinha anunciado.
Em resposta, Terrel enumerou uma lista de jornais. O outro se mostrou espantado. “Jornais? O público que vem ouvir os Righteous Brothers nunca lê. Anuncie pelo rádio!”.
Terrel telefonou então para um disc-jockey, que fez um rápido comentário sobre o espetáculo dizendo que todos os seus ouvintes realmente entendidos estavam comparecendo ao Music Circus para ouvir os “maiorais”. Dentro de poucas horas, a lotação estava esgotada.
Em determinado ponto do diálogo entre Bruce e seus fãs, um deles lhe perguntou:
- Cousin Brucey, diz aqui que a presença conta ponto. O que é exatamente presença teatral?
Cousin Brucey pensou um instante, depois apontou um espantoso rapaz que vinha vindo pelo palco e exclamou:
- Aí está uma presença!
Era Phil Spector, de 24 anos, o rei do rock’n’roll. Usava um traje fim-de-século com as calças mais justas que eu já vira (explicou um concorrente: “nós dizemos, Sr. Michener, que se é possível botar as calças quando já se está de sapatos, nem as calças nem os sapatos merecem ser usados”).
Spector vestia também uma camisa de renda branca como as dos gentis-homens do século XVII, com enormes babados nos punhos, botinas de bico pontiagudo e saltos sete e meio. Seus cabelos eram tão longos que pareciam uma peruca caindo-lhe sobre os ombros e lindamente enrolados. A moçada delirou.
Na arena do júri, Spector me disse:
- Preste atenção na voz. Quanto mais o cantor conseguir comunicar-se com a platéia e entusiasmá-la, maiores são as chances que o conjunto tem de vencer.
- E o que mais conta além da voz?
- Um ritmo total. Se há ritmo total, o grupo pode vencer.
Logo se tornou evidente que a vitória caberia ou aos cabeludos e espertos Rockin’ Paramounts ou aos contidos mas retumbantes Galaxies IV. Os Galaxies tinham o som mais duro, mais metálico de todos os conjuntos que competiram, além de um ritmo desenfreado e de um vocalista de voz possante. Tinham criado uma maneira de encerrar cada número com uma coda em que tempo, frenesi e volume se aceleravam juntos. Foram eles os vencedores – um veredicto popular.
As impressões que guardei do campeonato são variadas. Cheguei à conclusão de que gosto de rock’n’roll como música da mesma maneira que gosto de pimenta na comida: não diariamente, mas de quando em quando é muito estimulante. Gosto em especial dos jovens que fazem esse tipo de música. Lon Van Eaton, de 17 anos, líder dos Trees de Trenton, foi o meu preferido. Lou estudou música, toca guitarra, clarineta, contrabaixo, saxofone, oboé, fagote, gaita, corne inglês e flauta. Diz ele de seu grupo: “Procuramos ser polidos e cultos e creio que vou entrar para a universidade. Se me formar, será graças ao dinheiro ganho com a música”.