quinta-feira, 31 de maio de 2007

Rádio Cultura FM 100,9 MHz (Brasília - DF)




Quem tem, digamos, uns 38 anos ou mais e morava no Rio de Janeiro em 1982 lembra-se perfeitamente do que foi a Rádio Fluminense-FM, a “maldita”, e do que ela representou para a música brasileira. Na época, foram lançados pela rádio aqueles grupos-que-não-é-necessário-citar-o-nome. Se não conhece, nunca ouviu falar, chegou agora da Venezuela, uma boa fonte de pesquisa é o livro do Luiz Antônio Mello, “A Onda Maldita: como nasceu e quem assassinou a Fluminense FM”. Para quem prefere televisão, informo que quem assassinou a Fluminense, segundo o autor, foram as gravadoras e as agências de publicidade. Com relação à Suprema Impunidade Nacional, as gravadoras já são penalizadas pela excelentíssima juíza chamada Internet e por milhões de incansáveis bucaneiros, paraguaios ou não. Quanto às agências de publicidade...

A história somente se repete como farsa, como disse Karl. Na época dele ainda não existia a CBN, mas isso não importava, pois ele tinha mais o que fazer. E em 1982 não existiam Internet, MP-3, Orkut, YouTube, MySpace, gravadores digitais, Pro-Tools. Não existiam guitarras chinesas de 300 reais. Não existia nem o Real. Existia um negócio chamado fita de uma polegada, na qual a música era mixada após a gravação e passada para um outro negócio chamado fita cassete de cromo. Poucos tinham dinheiro para comprar a tal fita de uma polegada, então elas pertenciam aos estúdios, e cada fita era usada na gravação de umas 300 bandas. Gravou, mixou, fita de uma polegada, fita cassete, fita de uma polegada apagada. Se o músico mudasse de idéia, sinto muito, grava de novo. Masterização? De que se trata?

Então combinamos que a história não vai se repetir.

E chega 2007, de volta para o futuro. Após um período de oito anos mergulhada em trevas, a Rádio Cultura-FM (Brasília, 100,9 MHz) (http://www.sc.df.gov.br/paginas/radio_cultura_fm/cultura_fm.htm) volta com nova programação. Após o período negro, a primeira vez que sintonizei lá, isso neste ano ainda, quase não acreditei: era verdade, uma rádio com nova direção, com grandes músicas, e SEM jabá. Eclética, com músicas independentes ou não, sempre de nível excepcional. Posso agora deixar em casa a caixa com doze CDs e apertar o power do Pioneer sem receio algum, e parar o carro na escuridão sem medo de perdê-la, e o carro e os vidros estão segurados e a frente do cd-player é descartável. É a felicidade em freqüência modulada.

Dentre os diversos programas da nova rádio, destaca-se o Cult 22 (www.cult22.com), que está no ar desde que Elvis apertou a campainha da Sun Records pela primeira vez. O programa, que sobreviveu até mesmo à besta do apocalipse e às citadas trevas, “rock e pop sem discriminação”, brilha nas noites de sexta-feira para se ouvir antes de sair de casa, e para se ouvir no carro a caminho de algum lugar. Se possível, ouça também quando chegar lá. Em nossos corações e tímpanos também estão, entre outros, o Programa Senhor F (indie-rock), o Conexão DF (tudo sobre artes & ofícios em Brasília – o oásis radiofônico dos artistas daqui), e o Violas & Violeiros em seu retorno triunfal – existe programa mais folk do que esse? Acorde às seis da matina, se tiver coragem.

A história não vai se repetir, mas ela pode ser reescrita, pois letras de música não são livros de História do Brasil nem de História Geral. De preferência, acrescente no mínimo três acordes e alguma dose de emoção.

Em resumo, mandem suas fitas, digo, seus CDs independentes para lá, de qualquer estilo, ou mesmo aqueles que não tiverem estilo algum. Com certeza serão, no mínimo, ouvidos com o respeito que merecem. E, quem sabe, talvez até entrem na programação da Rádio Cultura-FM, Via N2, anexo do Teatro Nacional Cláudio Santoro, Brasília-DF, CEP 70.070-200, e-mail: cultura.fm@terra.com.br . É isso. (A) (O) melhor (-) (do) rádio do Brasil está de volta. We salute you!

Fernando Brasil (Brasília-DF)





Fernando Brasil é o cantor, violonista e gaitista do duo folk The Green Folkies, junto com o violinista Flávio Pennachio. A banda bitter-sweet tem cadeira cativa, ou palco cativo, todos os sábados no Pata Negra, a embaixada gastronômica espanhola de Brasília (a quem se interessar: 413 sul).

Mas a história de Fernando na seara musical começa bem antes, na década de noventa, como baixista do Tenente Mostarda. Com o fim da banda e após um período na Europa tocando em metrôs londrinos e praias gregas, o músico retorna ao país em 2001 e decide formar uma nova banda: o Phonopop (http://www.phonopop.net/), que em sua primeira versão era composto por Fernando, Fernando e Fernando. Ou seja, somente ele mesmo. Grava seu primeiro EP, “Phonopop”, nesse mesmo ano, com 4 faixas e a produção e participação de Philippe Seabra, da Plebe Rude (detalhe: esse EP foi a primeira produção do Philippe após voltar dos EUA, o protótipo. Hoje, 6 anos depois, ele é um dos mais atuantes e respeitados nomes do setor produtivo nacional). Outros músicos aderem à banda, como o guitarrista Jú, o tecladista Daniel Cariello e o baterista Bruno Daher. Em 2003 sai o segundo EP, com 6 músicas (prêmio de melhor demo de 2003, no 3º Indie Destaque, promovido pelo selo Midsummer Madness). Em 2005 o Phonopop lança o primeiro CD, “Já não há tempo”, como contratados do selo T-Rec/Indie Records. Em 2006, seu segundo EP, “Comendo Vidro”, com apenas duas músicas e preparatório para o futuro segundo CD, atualmente em fase de composição.

Existem diversos clichês insuportáveis assombrando a palavra “pop”: “pop perfeito”, “pérolas pop”, “pop ensolarado”. Pobres bandas que recebem sobre seus ombros tais rótulos-adjetivadores, algumas nem merecem. Teria então o prefixo “Phono” o poder de neutralizar tal maldição? Sim, pois Fernando Brasil não é Gisele Bundchen, não é uma ostra, e sua música não acarreta danos dermatológicos a longo prazo. O “pop” de Fernando pode ser tudo, menos “ensolarado”. Bandas ensolaradas provocam envelhecimento precoce. Sua música é nublada, introspectiva, perspicaz. Como os clássicos de Paul Weller e Ray Davies.

Fragmento (Fernando Brasil)

Estão ali, imóveis, a imagem e você:
“Por que você não diz nem por um momento
se eu tentar, faço assim valer
a nossa vontade no final"?
O seu olhar não sai da fotografia:
”Por que você não diz, nem por um segundo,
sem errar, eu quero ser
tudo o que você é para mim”!

Vou, como um trem sem parar
Já não tenho mais freios para te esperar
Vou, sigo em frente, quem sabe
o que o medo faz com a gente, afinal?


Cantor de voz privilegiada, em 2007 Fernando funda também a banda Invasão Britânica (êta sujeito incansável), com o baterista Txotxa, o guitarrista Jú e outros músicos. O Invasão toca, é claro, músicas britânicas, em especial as da década de 60. O “Dia D” ocorre quinzenalmente às terças-feiras, no Pub O’Rilley, nossa normandia de plantão (por falar no Txotxa, para quem se interessar pela arte da bateria, bateristas famosos e ritmos em geral, ele tem um blog fantástico: http://www.txotxa.blogspot.com/).

Momento hardware: Fernando é o feliz dono de um set up capaz de fazer inveja a qualquer músico: um amplificador Vox “Beatle” AC-30, um baixo Epiphone “Paul McCartney” Viola Bass, uma Gibson ES-335, uma Rickenbacker “John Lennon” e um violão Epiphone “John Lennon” (faltaram a Gretsh Country Gentleman e a Epiphone Casino! Que vergonha, rapaz...). Por que será que ele fundou uma banda chamada “Invasão Britânica”?

E agora, Fernando Brasil? Tanto quanto o rock, agora o folk entrou em suas veias, admita, e lá seu talento também explode de forma ampla e cristalina. Para onde o futuro te levará?

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Júlia Debasse (Rio de Janeiro)





















Júlia Debasse é uma nova (nova mesmo: 21 anos) cantora e compositora do Rio de Janeiro. Compondo sozinha ou com a parceria de Sérgio Diab, Júlia gravou doze músicas, todas disponíveis para download em seu site (www.juliadebasse.com.br).
Como diz o curto release, “em tempos de DJs e atitude, Júlia Debasse define-se somente por suas canções. O simples fato de ter algo a dizer é o que motiva a música, distorce as guitarras e aquece a voz”.
As músicas de Júlia Debasse são o registro de uma das cantoras mais interessantes surgidas na cena independente nos últimos tempos. Base pesada, as músicas são costuradas de forma brilhante pela guitarra-e-amp-válvulas-derretendo de Sérgio Diab. Voz forte, mixada na frente, Sheryl Crow dos primeiros discos, if it makes you happy, Rita Lee na época em que o fruto era proibido e os jardins continuavam suspensos. Distante de modismos, Júlia é clássica, no melhor sentido da palavra. E as letras? Aqui vai um exemplo:

Os Meios e os Fins (Debasse/Diab)

O Homem faz de tudo para alimentar sua desgraça
Mata e morre de fome, constrói casas já mal-assombradas
O medo brota à pele, pálido como um lírio branco
O coração empalidece e se dilata em espanto

Há um homem lá fora, gentilmente quebrando relógios
A indiferença é um vírus, criado em laboratório
Cemitérios de anjos, milhares de estátuas de sal
Um espantalho em chamas se ergue no milharal

Você pode até dizer que não é bem assim,
Mas se lembre que os seus meios
Justificarão o seu fim

Você encrava os dentes de ouro numa pequena fruta de cera,
Mas é bem real o sangue que escorre de sua boca estreita
O amanhã podia ser o que você queria que ele fosse
Pense nisso e não forre os azulejos com o jornal de hoje

Os jogos do Coliseu já são televisionados
Um abutre pra lamber as feridas de todo coitado
Macedo é um bispo mercante, ele se compadece
Os políticos debatem com a boca cheia de confete

Você pode até dizer que não gosta de mim
Mas se lembre que os seus meios
Justificarão o seu fim

Nessa letra, pelo menos dois achados: “a indiferença é um vírus, criado em laboratório”; e “O amanhã podia ser o que você queria que ele fosse / Pense nisso e não forre os azulejos com o jornal de hoje”. Sim, com certeza não forraremos.

Júlia também é pintora, e suas telas podem ser visualizadas no site. É contratada do selo do Beni, ex-baterista do Kid-Abelha e autor de vários sucessos do início do grupo, a maioria junto com Leoni, ex-baixista-e-atual-carrera-solo. Beni é o chefão e guru do selo Psicotrônica (www.psicotronica.com.br), que tem em seu cast, além da Júlia, Cris Braun, Diab (também guitarrista da banda de Toni Platão), Humberto Barros (tecladista do Kid Abelha), Picassos Falsos e Tuia Lencione. O selo foi um dos vetores responsáveis pelo estouro-local-no-letras-e-depressões do Toni Platão, seu ex-contratado e que agora almeja vôos (talvez) maiores.

Concordo total e plenamente com o manifesto da Psicotrônica, que reproduzo abaixo:

“O Manifesto:
A indústria do disco enfrenta a pior crise da sua história. As vendas em queda livre, os formatos em transição, o rádio agoniza e um público jovem cresce avesso à idéia de comprar CDs. Para os investidores, o futuro pode parecer extremamente incerto e sombrio para a música popular. Para nós da Psicotrônica, música é uma necessidade vital, uma escolha existencial, mesmo que nesse momento represente um investimento de risco. Fazemos música porque acreditamos no poder de comunicação de idéias através de canções. Fazemos música porque acreditamos que canções podem transmitir mensagens, causar impressões, promover revoluções. Fazemos música porque acreditamos (suprema pretensão) que a música pode mover o mundo, porque a arte muda consciências. A crise do mercado de hoje não nos assusta, porque estamos nesse negócio empenhados em criar a demanda do futuro. Rejeitamos completamente a empurro-terapia do marketing selvagem, que quer criar no público, a golpes milionários de investimento em mídia, interesse por produtos intrinsecamente desinteressantes. A realidade não é adversa à música, ela simplesmente se opõe a um modelo de negócio ultrapassado. A crise existe porque a indústria parou de ouvir a voz das ruas, se concentrando na criação de “artistas” de laboratório, programados pelas pesquisas de mercado, filhotes dos egos inflados de marqueteiros pseudo-criativos. O disco pode estar nas últimas , mas a música vai muito bem, obrigado. Nunca se ouviu tanta música diferente (graças à Internet), nunca se viu tanta música ao vivo. Por isso, a Psicotrônica se lança ao trabalho confiante no futuro da indústria da música. Acreditamos no valor eterno de canções que têm idéias e substância, que representam a realidade da experiência pessoal, música que desafia as obviedades. Acreditamos na voz única e individual do artista, não em franchises baseados em belas estampas e num amontoados de palavras que rimam. Acreditamos que as mudanças nos produtos, no consumo e na distribuição de música, representam novas oportunidades e desafios artísticos e comerciais, que devemos considerar com destemor. Queremos construir carreiras e repertórios. Elaborados com a paciência de um disco após o outro, um show após o outro, ano após ano, “tijolo após tijolo num desenho lógico”. Aplaudimos os que se propõem a preservar a extraordinária tradição da música popular brasileira, mas queremos fazer parte dessa história buscando o novo, as vozes que cantam hoje, que falam desses dias. Na nossa missão de acreditar na relevância da produção atual da música brasileira , não há preferência de gênero. Nomes tão díspares como Martinho da Vila e Renato Teixeira, Renato Russo e Roberto Carlos, Noel Rosa e Chico Science simbolizam, cada um à sua maneira, os valores artísticos de criatividade e individualidade, que buscamos promover. Neste momento, em que a música sofre um racionamento radical de inteligência, nós da Psicotrônica queremos propor outras direções para a música popular brasileira à altura das suas tradições. Muita pretensão? Com certeza... Mas não foi de despretensão em despretensão que nós chegamos neste estado de coisas?”

E temos dito.


Amú (Rio de Janeiro)










Amú (www.amuweb.com) é José Renato da Costa, guitarrista, compositor e cantor. Nasceu no Rio de Janeiro e mudou-se aos 11 anos para Brasília, onde foi contaminado de forma instantânea pela febre que assolava a capital federal à época: o famigerado rock dos anos 80. Nos anos 90, participou de algumas bandas underground como guitarrista, entre elas o Tenente Mostarda, que participou de três coletâneas e teve seu clipe veiculado na antiga televisão-que-passava-vídeo-clipes-e-hoje-prefere-programas-de-auditório chamada MTV (pronuncia-se emitíví). Hoje, chama-se TST (pronuncia-se tíesstí, Talk Show Television). Curiosidade: do Tenente Mostarda saiu o baixista (hoje guitarrista) Fernando Brasil, para fundar o Phonopop. Em 2000, Amú, já guitarrista experiente, decide voltar a morar no Rio de Janeiro. Os motivos? Um deles, sua opinião sobre as poucas possibilidades da aplicação de acordes dissonantes no pop/rock. Outro, sua música já se aproximava demais e de forma irreversível da MPB sofisticada, de harmonias ricas e complexas, e o Rio de Janeiro parecia, historicamente, o lugar ideal para se fazer esse tipo de música. Começou tocando em diversas jam sessions, apenas como guitarrista, e depois formou um trio que percorria o circuito de bares da cidade. Em 2001, iniciou os estudos de técnica de gravação e produção fonográfica com o produtor Mayrton Bahia. Em 2003, venceu o primeiro Guitar Player Festival, realizado em São Paulo, e foi elogiado pela revista americana Guitar World. No ano de 2005 abriu seu próprio estúdio de gravação e masterização, o Estúdio 3 Luas.

Bom, agora é que a história começa a ficar emocionante. O primeiro CD, “Amú”, com 11 faixas e gravado em seu próprio estúdio, fica pronto em meados de 2005. Surpreende muita gente, pessoas já acostumadas com o mega-guitarrista, mas não com a novidade do Amú-cantor. Suas novas composições misturam a sonoridade clássica do violão de nylon, as harmonias bossa-nova e, de repente, uma guitarra-fuzz faz Chico Buarque abraçar Jimi Hendrix nas águas tépidas do mar do Leblon.

As letras têm como base o universo da MPB, fugindo léguas do atual nonsense banal das bandas de rock-adolescente (não conectando a palavra “adolescente” com a idade do sujeito). Uma vez, há anos, Amú ouviu a famosa frase-chavão, não sei o autor, que dizia que “o rock não deve se levar a sério”, ou “o rock não deve ser sério”, ou alguma bobagem do tipo. Obviamente, percebeu o equívoco da coisa. Em seu rápido processo de evolução, comum a tantos outros músicos, Amú está feliz.

Um Beijo e Até (Amú)

Vai e segue o teu rumo,
Que é tão longe de mim
Pode crer que sim
Basta olhar em volta para ver
Que a gente quando muito combinava
Não tinha nada a ver

Você me usou
E eu te usei também
Sem saber por que
Sem saber a quem
Nós enganaríamos nesse jogo
Tão louco e cujas regras
Mudam pouco a pouco

Você não é quem eu pensei
Não pense que eu não sei
Quem tu és
A vida ensina
E hoje eu aprendi
Estou saindo fora
Um beijo e até

Leve as poucas lembranças
Que insistimos em criar
E em nenhum de nós
Chegou a acreditar
Leve também o medo
Nosso grande aliado
E de todo amor já acabado.

Amú agora prepara seu novo CD, a ser lançado no final de 2007 ou início de 2008. Enquanto aguardamos com ânsia, é possível baixar todas as músicas e também a capa do CD anterior, no seu site.

Quanto à frase, se tivesse sido dito que “o rock deve se levar a sério”, isso também seria equivocado. Como entender?