quarta-feira, 25 de julho de 2007

Mitos do Rock - idade e "credibilidade"



Existem, entre diversos outros, dois falsos e nefastos mitos que tentam enquadrar o rock’n’roll: 1) todos os ídolos/músicos “famosos” de rock deveriam morrer antes de ficarem velhos (ou, sendo menos radical, deveriam deixar de tocar esse tipo de música); 2) todos os compositores de rock deveriam escrever sobre experiências próprias, sobre fatos que ocorreram em suas vidas, sob pena de não terem “credibilidade” (seria essa a palavra entre aspas mais adequada? A reboque viriam, sem terem sido chamadas, a “integridade”, a “autenticidade”, etc. etc.).

O primeiro item já foi discutido centenas de vezes, com todas as discussões citando a frase de Pete Townshend, “I hope I die before get old”. Se não citar, não vale. Já foi objeto de reportagem da revista Rolling Stone (a estrangeira), na qual o autor achava um acinte ao rock a existência de qualquer ser humano famoso com mais de 30 anos que cantasse ou tocasse guitarra pertencendo ao dito gênero musical. Haverá lei que obrigue uma “estrela do rock” a tocar blues ou jazz a partir dos 31, sob pena de ser linchado ou desacreditado? Quem não conhecer todos os acordes de jazz deve se suicidar. Aos 27 está bom, não precisa esperar os 30, são acordes demais para se aprender em 3 anos. Não, não se mate, dá para tocar um blues básico com três acordes. Bang. Tarde demais.

A afirmação do segundo item também é uma besteira com tamanho, pois equivale a dizer que um autor não pode escrever peças de ficção. Um escritor teria, então, que ser autobiográfico. Ficção, nem pensar. Seja real, tenha “credibilidade”, escreva sobre aquilo que viveu. E mais ainda, se ficar velho, pare de escrever/cantar suas músicas/livros antigos, pois não correspondem mais à sua realidade. Clapton, não cante mais “Cocaine”, lembre-se do que prometeu ao renomado médico da clínica na Flórida. Cante blues dos anos 20, mas leia a letra antes, apenas por garantia. No limite (no limite mesmo), autores de livros de ficção-científica jamais teriam “credibilidade”. Aposto que H.G. Wells nunca viajou no tempo nem se encontrou com caranguejos gigantes. E os progressivos então, como ficam nessa história?

Nosso ex-monarca, Roberto Carlos, tem “credibilidade” e atendeu aos dois itens: trocou a jovem-guarda por música-para-senhoras (item 1, opção menos radical, infelizmente), e não canta mais que quer que tudo o mais vá para o inferno, porque agora ele é religioso (item 2) e o inferno é uma brasa, mora? Gente desse tipo tem mania de proibir livros sobre sua pessoa. Só faltou a Noite dos Cristais em algum transatlântico.

Morrisey disse uma vez, acho que nos anos 80, que os Rolling Stones (a banda, não a revista) “não saíam do caminho”. Será que ele pediu licença, empurrou, desviou, pegou um atalho, ou foi simplesmente chorar as mágoas num pub qualquer de Madchester, esquecendo-se que “you can't start a fire worrying about your little world falling apart”? E hoje em dia, teria ele desejo de que alguma banda nova falasse o mesmo sobre ele? “Morrisey, saia do caminho!”. É mais provável que seja o vizinho de sua mansão, pedindo-o para retirar o Jaguar da frente da garagem.

Qualquer um que já se cansou das bandas-de-rock-com-credibilidade não concorda com os ditos mitos. Nada como um disco novo do Bob Dylan. Nada como um bom músico que dá um tempo de sua banda de 20 anos e lança um trabalho autoral. Nada como Neil Young, sempre, com qualquer idade. Viva as rugas que tornam as cordas vocais mais ásperas e os dedos mais calejados. E viva a criação de uma nova realidade, de uma outra paisagem. Mas é claro que escrever sobre aquilo que viveu não faz mal nenhum. Uma coisa não exclui a outra. João & Lúcia no céu com diamantes. João negou, jogou a culpa no filho, coitado do Julian, não podia nem desenhar em paz. Por outro lado, Dylan não viveu “Like a Rolling Stone” (a música, não a banda, nem a revista). Mas pode ter presenciado a cena. Ou pode ter criado a história. Isso não faz mesmo a menor diferença.