segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Rodrigo Santos (Rio de Janeiro, RJ)



(existe uma pequena e remota área no cérebro onde residem as boas lembranças, sempre prontas a serem resgatadas ao receberem qualquer sinal que as conectem de novo aos tempos atuais. É interessante vê-las retornar, voltar à vida e sair às ruas, independentes e felizes, prontas para começar tudo de novo).

Em meados dos anos 80, existia uma danceteria, modalidade extinta de casa noturna. Chamava-se Metrópoles, ficava em São Conrado e hoje não sei o que existe lá. Talvez não exista nada. Assisti a diversos shows na casa, um deles do IRA, que ainda não tinha ponto de exclamação (ou será que tinha, e hoje é que não tem?). O Edgar Scandurra usava uma guitarra Rickenbacker vermelha, que na época era um dos meus objetos de desejo, ao lado da Luciana Vendramini. Naqueles dias, tanto a guitarra quanto a Luciana eram inalcançáveis, exatamente na mesma proporção. Hoje, somente o Caos Aéreo e a Receita Federal insistem em se interpor entre mim e a Rickenbacker. Só que eu não quero mais nem uma Rickenbacker, nem a Luciana Vendramini. Objetos de desejo são mutantes, evoluem com o tempo. No mesmo local assisti a um show da Legião Urbana, grupo em ascensão que tocava na Fluminense-FM. Não lembro se já tinham ou não lançado o primeiro disco. Negrete ainda no baixo, Renato Russo usava um casaco preto pesado, comprido até os pés, à la Darth Vader. Para quê não sei, talvez para parecer cool ou algo similar. Não era uma boa idéia ser cool daquele jeito, considerando o calor infernal que fazia sempre. No final das contas, o casaco preto pesado funcionou. Uma obscura banda do Jardim Botânico, chamada Distúrbio Social, tocou uma noite lá. E assisti também a um show do Front, quarteto no qual o baixista ficava no centro do palco, e cantava. O baixista chamava-se Rodrigo Santos.

Alguns anos depois, início da década de 90, Rodrigo Santos (http://www.rodsantos.com.br/) é convidado para o Barão Vermelho, substituindo Dadi que tinha substituído Dé Palmeira. Rodrigo adapta-se perfeitamente ao estilo do grupo, talvez até mais que os seus antecessores. Rodrigo Santos é o Ron Wood do Barão Vermelho. Então, em fins de 2006 começam as segundas férias coletivas da banda, e ele aproveita para gravar de forma independente seu primeiro disco-solo, “Um Pouco Mais de Calma”. Na fase de mixagem, é contratado pela Som Livre.

Baixistas ao seguirem carreira-solo muitas vezes optam pelo violão, principalmente pela maior facilidade para tocar e cantar ao mesmo tempo. Nando Reis e Leoni fizeram isso. Sting tentou o nylon em sua incursão Bring on the Night pelo jazz, mas logo desistiu e voltou às quatro cordas. Paul McCartney prefere tocar tudo-ao-mesmo-tempo-agora, baixo, guitarra e piano. No CD, Rodrigo toca baixo, violão e guitarra, mas em shows prefere apenas os violões-aço e sua Craviola Giannini. E foram esses instrumentos e suas cordas pesadas que tomaram as decisões harmônicas e indicaram à banda o caminho que as músicas deveriam percorrer. Em algumas delas um violino foi contratado como ajudante-de-ordens, e os músicos entenderam que naquelas faixas quem mandava era ele.

Como disse certa vez Mr. Hanks, o importante não é o destino, mas a decisão de embarcar. Por algum motivo, o CD lembra uma viagem, não no sentido lisérgico, mas no sentido rodoviário mesmo. Uma estrada daquelas que se vê em filmes ou em países mais ao norte, com árvores altas próximas ao acostamento e nuvens e montanhas distantes. A música no Pioneer seria “Um Pouco Mais de Calma”, parceria de Rodrigo com Frejat. É claro que para atingir esse objetivo a estrada teria que ser uma daquelas privatizadas e com o pedágio pela hora da morte, pois aqui é Brasil e não são todos que têm um 4x4 com suspensão reforçada, ou um trator. Quanto ao CD, é tranqüilo e reflete PAZ e uma espécie de bem-estar, suspenso por alguns (pesados) instantes pela música “Cidade Partida”. As músicas são mais otimistas que algumas de suas letras, aliás como deve/pode ser qualquer trabalho que vise maior profundidade e reflexão. Permeia o trabalho o desejo de mudança, de alteração de rumos ou mesmo da vida. Diversas coisas impressionam – a voz de Rodrigo, os arranjos elaborados, as guitarras de 12 cordas, as melodias de base folk. Tem algo de rito de passagem, algo de místico, Cat Stevens pré-islâmico, Bob Dylan em seu desejo por Sara, George Harrison no início dos anos 70 informando ao mundo que todas as coisas precisam passar.

Carta para Nós (Mauro Sta. Cecília, Betinho, Rodrigo Santos)

Essa é uma declaração de amor a nós
Não tenho nenhuma pressa em morrer
Não tenho nenhuma pressa em terminar essa carta
E voltar a ela é como um renascer

Preciso cuidar de cada sílaba
Uma carta pra nós assim merece
Merece ser um pedaço
Um pedaço de vida
Pela via do que não se esquece

Saímos em direção ao fim
Como quem procura um começo
Foi um turbilhão de emoções
E veio o primeiro beijo
Veio o primeiro beijo, veio o primeiro beijo ...

Já passamos juntos por tantas coisas
Se for contar, o tempo é curto
E até foi preciso entrar numa onda
Entrar numa onda sem futuro

Mas nosso amor foi maior que o desespero
Medo de dia, amor de noite
E resolvemos continuar tudo
Apesar do mundo, apesar de tudo
Pois o olhar do outro é o que nos faz viver em PAZ.

Leiam o verso “Preciso cuidar de cada sílaba”. Seria o mandamento número um de qualquer escritor, de qualquer letrista? Rodrigo entendeu o recado, e fez questão de seguí-lo em um dos CDs mais belos, melódicos e cheios de esperança deste ano de 2007.