quinta-feira, 28 de junho de 2007

Não Condenem o "Rock'n'Roll"

James A. Michener

Condensado do suplemento dominical do Times, de Nova Iorque
Texto de Seleções do Reader’s Digest, maio de 1966


Quando St. John Terrel, meu vizinho e proprietário do Music Circus, um teatro de lona em Lambertville, no estado de New Jersey, me pediu para fazer parte do júri que julgaria os finalistas do campeonato americano de rock’n’roll organizado por ele, julguei que estivesse louco.
- Imagine! Exclamou ele, persuasivo. Você ficará entre Cousin Brucey e Phil Spector, e decidirá com eles o futuro da música americana.
- Quem é Cousin Brucey?
- Quer dizer que você não gosta de rock? Perguntou Terrel. Ainda não ouviu Bruce Marrow, uma das forças mais significativas na atual oligarquia da música? Quer dizer...
- Está bem. Mas quem é Phil Spector?
O olhar, dessa vez, foi de piedade. Terrel foi buscar um artigo de jornal com o retrato de um rapaz de cabeleira cumprida, roupas requintadas e uma das fisionomias mais argutas que já vi nos últimos anos. O artigo dizia que ele ficara várias vezes milionário só com a venda de seus discos à nova geração.
O quarto membro do júri seria o desenhista Harry Haenigsen, um “quadrado” que estaria vestido comumente e com quem eu poderia pelo menos falar, enquanto Cousin Brucey e Phil Spector estivessem se comunicando com os jovens. Aceitei o convite, e com isso ingressei em um mundo fascinante.
Comecei com aquela informação esparsa que todo adulto tem do rock’n’roll. Conhecia os Beatles, Elvis e o quinteto de Dave Clark. Não era inteiramente “quadrado”, mas tampouco era um aficcionado. Quando a nova música era bem tocada, eu gostava. E como romancista, fascinavam-me os aspectos sociológicos que acompanham a nova mania da juventude: os cabelos longos, a elegância antiga de rapazes que normalmente a repeliriam, a gíria, o fenômeno dos gritos dos adolescentes e, mais importante, o elemento de protesto.
Foi numa tarde de calor sufocante que compareci para a primeira eliminatória. Para espanto meu, mais de 400 conjuntos de todos os cantos do país tinham-se inscrito, e 88 foram escolhidos para se apresentarem em Lamberville para a triagem inicial. O conjunto vencedor receberia 1.000 dólares, apareceria num programa de TV, teria a oportunidade de gravar um disco, o que é um bom começo para quem quer ingressar no profissionalismo.
À medida que as bandas chegavam e tiravam das bagagens seus apetrechos, tive outro choque. Eu estava esperando grupos de quatro ou cinco músicos com guitarras, talvez um trombone e uma bateria. Little Caesar e os Romanos, de Lewiston, Maine, provaram-me o meu engano. Cinco rapazes chegaram em um carro, seguidos por um caminhão do qual retiraram uma dúzia de grandes alto-falantes eletrônicos, cinco amplificadores, quatro microfones e, além de um órgão que teve de ser carregado por quatro homens, dezenas de metros de fio eletrônico especial.
Perguntei a Ronald Poulin, rapaz de 16 anos que é o líder do grupo, quanto dinheiro o grupo tinha investido nesse equipamento. Calculo que mais de 5.000 dólares. Tudo isso tinha sido pago com o dinheiro que esses cinco rapazes – o mais velho com 18 anos – tinham ganho tocando em night clubs e festas de aniversários, casamentos e nos concertos de rock’n’roll que se realizavam toda sexta-feira à noite na cidade de Lewiston, aos quais compareceram regularmente 1.500 jovens.
Todos os componentes do grupo de Poulin estudaram música e podem tocar quatro ou cinco instrumentos. “Uma das coisas boas a respeito do nosso grupo é que nenhum dos rapazes jamais esteve metido em complicações com a lei”, informou-me Poulin. “Todos nós pretendemos terminar o curso secundário”.
Enquanto eu observava os conjuntos abrirem a bagagem, adquiri duas impressões que guardo até hoje. Em primeiro lugar, os rapazes que se dedicam a essa alucinante e apaixonante forma de arte são acima da média no que se refere a aparência física, limpeza, simpatia e bons modos. Mesmo aqueles que usam trajes estapafúrdios (os “Prophets” vestiam togas e usavam sandálias de couro com tiras cruzadas até os joelhos, ao passo que os Monkey Men tocavam dentro de uma jaula) eram ordeiros e simpáticos.
Em segundo lugar, o instrumento musical em si parece ser menos importante do que os sistemas eletrônicos que reproduzem o som por ele emitido e o transmitem em pleno volume ao ouvinte. Se – e foi o que ocorreu durante as finais – falha o sistema elétrico, a música dessa geração fica reduzida a um murmúrio insignificante.
No primeiro dia, 43 bandas competiam. Foram dispostas em um enorme círculo contornando a parte externa da arena, e a comissão julgadora ficou sentada no centro do teatro. Nos cinco minutos antes de se iniciarem as competições, cerca de 200 músicos, cada qual com seu amplificador a todo volume, passaram em revista pela última vez seus problemas individuais. Foi a cacofonia total, metálica, estridente, o som de nossa época. Atingiu-me de todos os lados, vindo de uns 400 amplificadores, e foi a sensação mais próxima de ruído total que já experimentei. Confesso que gostei.
Nas canções de rock’n’roll – se é que podem ser chamadas de canções – notei o advento marcante das chamadas músicas “de protesto”. Numa delas, os músicos lamentam o destino do mundo: mesmo que se solucionem os problemas do Vietname, ainda restarão Selma e Alabama. Outra canção, aplaudida com entusiasmo, conta que um rapaz não fora aceito na escola por que tinha o cabelo comprido demais. Terrel explicou-me: o rock casou-se com a música folclórica e deles nasceu o protesto“.
No dia das finais, conheci finalmente Cousin Brucey, um disc jockey alto, bonito e culto. Tem um jeito especial de lidar com os jovens, que enchiam o recinto do teatro e se referiam constantemente aos seus programas de rádio e televisão, os quais parecem ter um enorme impacto na nova geração americana.
Pouco antes tínhamos tido ocasião de constatar a influência de um disc jockey. Terrel arriscara uma quantia vultuosa mandando buscar os Righteous Brothers, na esperança de que eles atraíssem um grande público, mas a venda de bilhetes estava muito fraca. Um especialista no assunto lhe perguntou se ele tinha anunciado.
Em resposta, Terrel enumerou uma lista de jornais. O outro se mostrou espantado. “Jornais? O público que vem ouvir os Righteous Brothers nunca lê. Anuncie pelo rádio!”.
Terrel telefonou então para um disc-jockey, que fez um rápido comentário sobre o espetáculo dizendo que todos os seus ouvintes realmente entendidos estavam comparecendo ao Music Circus para ouvir os “maiorais”. Dentro de poucas horas, a lotação estava esgotada.
Em determinado ponto do diálogo entre Bruce e seus fãs, um deles lhe perguntou:
- Cousin Brucey, diz aqui que a presença conta ponto. O que é exatamente presença teatral?
Cousin Brucey pensou um instante, depois apontou um espantoso rapaz que vinha vindo pelo palco e exclamou:
- Aí está uma presença!
Era Phil Spector, de 24 anos, o rei do rock’n’roll. Usava um traje fim-de-século com as calças mais justas que eu já vira (explicou um concorrente: “nós dizemos, Sr. Michener, que se é possível botar as calças quando já se está de sapatos, nem as calças nem os sapatos merecem ser usados”).
Spector vestia também uma camisa de renda branca como as dos gentis-homens do século XVII, com enormes babados nos punhos, botinas de bico pontiagudo e saltos sete e meio. Seus cabelos eram tão longos que pareciam uma peruca caindo-lhe sobre os ombros e lindamente enrolados. A moçada delirou.
Na arena do júri, Spector me disse:
- Preste atenção na voz. Quanto mais o cantor conseguir comunicar-se com a platéia e entusiasmá-la, maiores são as chances que o conjunto tem de vencer.
- E o que mais conta além da voz?
- Um ritmo total. Se há ritmo total, o grupo pode vencer.
Logo se tornou evidente que a vitória caberia ou aos cabeludos e espertos Rockin’ Paramounts ou aos contidos mas retumbantes Galaxies IV. Os Galaxies tinham o som mais duro, mais metálico de todos os conjuntos que competiram, além de um ritmo desenfreado e de um vocalista de voz possante. Tinham criado uma maneira de encerrar cada número com uma coda em que tempo, frenesi e volume se aceleravam juntos. Foram eles os vencedores – um veredicto popular.
As impressões que guardei do campeonato são variadas. Cheguei à conclusão de que gosto de rock’n’roll como música da mesma maneira que gosto de pimenta na comida: não diariamente, mas de quando em quando é muito estimulante. Gosto em especial dos jovens que fazem esse tipo de música. Lon Van Eaton, de 17 anos, líder dos Trees de Trenton, foi o meu preferido. Lou estudou música, toca guitarra, clarineta, contrabaixo, saxofone, oboé, fagote, gaita, corne inglês e flauta. Diz ele de seu grupo: “Procuramos ser polidos e cultos e creio que vou entrar para a universidade. Se me formar, será graças ao dinheiro ganho com a música”.